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Tirar os índios da praia

As respostas dos governos aos protestos tiveram apenas objetivo de curto prazo: comprar a volta à normalidade a qualquer preço. Lembram a explicação de Brizola, no exílio em Lisboa, em entrevista na qual Hermano Alves se surpreendia com a moderação de seus propósitos: "Tenho primeiro de tirar os índios da praia para poder desembarcar!".

Suspender o aumento das tarifas era o mínimo denominador comum das manifestações e foi o único pedido atendido. Não resolve nada no longo prazo nem garante a melhora dos transportes públicos.

Intelectuais estrangeiros como Castells elogiam o espírito democrático dos governantes brasileiros, contrastando-o com a obstinação dos turcos. Confundem com o desejo de atender à população o que pode não passar de maneira diferente de dizer não. Afinal, adiar indefinidamente as soluções práticas equivale à negação.

Se não é assim, por que não fazer logo o que depende só da decisão do Executivo? A bandeira mais frequente após o preço das passagens era o protesto contra a prioridade errada de estádios faraônicos.

Admitindo-se a dificuldade do governo em confessar que o melhor teria sido construir hospitais e facilitar o transporte, restava algo fácil e à mão. Bastava anunciar que recursos fantásticos reservados à mais mentirosa das prioridades "’ o trem-bala "’ seriam imediatamente destinados à construção de metrôs e trens suburbanos.

Ora, o que se fez foi o contrário: reafirmar o enlouquecido projeto rejeitado por virtual unanimidade do país. O governo confirma que suas prioridades continuam tão confusas como antes. Prova de que não houve contrição, nem desejo sincero de emenda, é que na mesma semana renovaram-se as manobras da contabilidade criativa para dissimular aumento de gastos e da dívida pública bruta.

Portanto, omite-se o que apenas depende do Executivo. Em lugar de medidas simples e imediatas, embarca-se o Congresso e a população no mais complexo e demorado dos desafios: a reforma do sistema político. Ainda se por milagre a reforma sair perfeita, seus efeitos sobre a mobilidade urbana ou a melhoria da saúde e da educação serão na melhor das hipóteses indiretos e tardios.

O pior é renovar a velha ilusão brasileira de esperar da reforma política mais do que ela pode dar, o que vem gerando frustração desde o Ato Adicional e a Lei Saraiva do Império. As propostas do plebiscito são insuficientes. Lidam com problemas do passado. Nos países onde tudo isso já existe há muito tempo, discute-se como superar a crise da democracia representativa mediante meios diretos de controle e participação. Para esse problema atual da era das redes sociais e da internet, o plebiscito nada sugere.

Tampouco serve para evitar gastos com estádios superdimensionados, motivados por um projeto triunfalista de poder. Ou para impedir falsas prioridades como o trem-bala, contabilidade criativa, inflação de ministérios inúteis e outros produtos de governos incompetentes.

O que obriga a uma conclusão: o plebiscito é uma fuga para frente, isto é, não podendo ou querendo fazer o possível agora, dilui-se o desafio na geleia geral das coisas remotas e impossíveis.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

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