O projeto de lei que trata da “quebra temporária de patentes” de vacinas contra Covid-19 foi mais um no noticiário da pandemia. Proposto pelo senador Paulo Paim (PT-RS), o PL 12/2021 pretendia determinar que os titulares das patentes licenciadas ou pedidos de patentes relativos às vacinas ou medicamentos relacionados à prevenção, contenção ou tratamento da Covid-19 ficassem obrigados a disponibilizar ao poder público todas as informações necessárias e suficientes à efetiva reprodução das vacinas. Embora o projeto tenha sido retirado de pauta a pedido dos líderes do governo no Senado e no Congresso, suscitou a discussão sobre a necessidade de o Brasil liberar a quebra temporária de patentes das vacinas contra Covid-19.
Para abordar esse tema, é necessário, primeiro, desmistificá-lo. O que vulgarmente se denomina “quebra de patente” é, na verdade, o instituto jurídico da “licença compulsória”. Trata-se de um mecanismo legal, utilizado excepcionalmente, mas que não representa um ato de exceção, uma vez que é previsto na Convenção União de Paris, no acordo Trips e no Código de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96). Trata-se da suspensão temporária do direito de exclusividade do titular de uma patente, permitindo a produção, o uso e a comercialização do produto patenteado por terceiros; e pode ser usado em situações muito específicas, entre elas o interesse público relacionado à saúde pública.
O direito de patentes não existe exclusivamente para proteger direitos proprietários; é um sistema criado mundialmente, também, para o desenvolvimento socioeconômico e tecnológico. As flexibilizações e exceções estão previstas para que os países possam utilizá-las para reequilibrar as distorções entre o aspecto econômico e o social que podem surgir em casos como a pandemia que vivenciamos. Nesse sentido, países como Alemanha, Canadá e Israel adequaram suas legislações de propriedade industrial para permitir o livre uso pelo Estado, mediante indenização, da propriedade intelectual para as tecnologias e inovações para o combate da Covid-19.
Apesar de alguns projetos de lei propostos recentemente, como o PL 1.184/20, PL 1.320/20 e PL 1.462/20, além do já citado PL 12/2021, o Brasil já conta com dispositivos legais que permitiriam o licenciamento compulsório pelo Poder Executivo. Trata-se da Lei 9.279/96 e, especificamente, o Decreto 3.201/99, que prevê a possibilidade de concessão, de ofício, de licença compulsória de patente nos casos de emergência nacional ou interesse público.
A questão que se coloca é: o Brasil deve utilizar do licenciamento compulsório para as patentes das vacinas contra Covid-19? A pergunta não pode ser respondida com um simples “sim” ou “não”. O Brasil registrou 4.165 mortes por Covid no dia 6 de abril. Só no mês de março foram 66.573 mil óbitos. Desde o início da pandemia, perdemos mais de 350 mil vidas. Os leitos de UTI estão no limite em todo o território, o sistema funerário prestes a colapsar. É a maior crise sanitária que já tivemos. Todo e qualquer esforço deve ser feito para salvar vidas.
A licença compulsória, nesse contexto, pode ser utilizada, sim, mas deve estar associada a outras ações. Algumas bem complexas e de difícil concretização, como a ampliação da capacidade de produção industrial. Outras bem básicas e que, se tivessem sido tomadas desde o início da pandemia, teriam poupado muitas vidas e mantido a economia também mais saudável.
Assim, além da vacinação ou do licenciamento compulsório, precisamos urgentemente de um plano de combate à pandemia, com coordenação nacional pela União e com medidas concretas pactuadas entre todas as unidades federativas. Um plano pautado por medidas cientificamente comprovadas, que afastem todo o negacionismo e, fundamentalmente, coloquem a vida dos brasileiros em primeiro lugar.
Anderson Marcos dos Santos, doutor em Sociologia e mestre em Direito, é coordenador adjunto e professor do mestrado em Direito da Universidade Positivo (UP).
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