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“A figura de FHC nos une. Acredito que, se houver um debate, ele vai enxergar várias incongruências e equívocos nessa estratégia de comunicação.” O deputado federal Marcus Pestana (MG), um dos capitães da facção de Aécio Neves no PSDB, referia-se à menção, no programa partidário, ao “presidencialismo de cooptação”, expressão cunhada pelo ex-presidente para marcar a ferro o mal denominado “presidencialismo de coalizão”. A frase melíflua de Pestana pode parecer um detalhe no desmoronamento do PSDB – mas, de fato, ilumina suas causas profundas. O que ainda separa a ala majoritária dos tucanos do PMDB?

Leio que, dias depois do triunfo de Michel Temer na Câmara, o governo demitiu um certo Gustavo Andrade de Sá da diretoria de Administração e Finanças do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), para a qual havia sido indicado por Wellington Roberto (PR-PB), que votou contra Temer. O tal Gustavo abriu a fila. Atrás dele, ao que consta, saíram seis dezenas de diretores de órgãos federais. Dirijo a Pestana a pergunta inocente que, entediados, os jornalistas já não fazem mais: Gustavo e os demais defenestrados eram gestores probos e competentes? Cuidado, meu caro, há perigo na esquina. Se a resposta for negativa, o que justificaria as exonerações, diga-me o motivo original das nomeações. Se, contudo, a resposta for positiva, o que justificaria as nomeações, esclareça-me a causa das exonerações.

Uma indagação inocente conduz a outra. O que tem a ver a política partidária com a gestão administrativa e financeira do Dnit? Por que será que o patriótico deputado Wellington Roberto indicou nosso bravo Gustavo para o órgão? E por que tantos de seus colegas parlamentares ocupam seu tempo apadrinhando indivíduos para cargos da administração pública que exigem competências profissionais específicas?

O que ainda separa a ala majoritária dos tucanos do PMDB?

A notícia periférica sobre a (má) sorte de Gustavo vale por um curso inteiro de ciência política. Esse tal de “presidencialismo de cooptação” é o equivalente, em tempos de paz, da pilhagem das cidades inimigas ocupadas praticada nas guerras de antanho. Sob o seu signo, os cidadãos que pagam impostos estão condenados a rezar por um improvável mal menor: a colonização dos escalões superiores da administração pública por apaniguados incompetentes, mas probos. E, contudo, Pestana qualifica a crítica de FHC como uma incongruente “estratégia de comunicação”...

“Sempre foi assim”, dirá um interlocutor condescendente, deixando escapar um sorriso de superior sapiência. Nem sempre. A captura sistemática, metódica, do aparato estatal de administração pela elite política começou no governo José Sarney, mas foi contida e parcialmente revertida no interregno dos governos de Itamar Franco e da “figura” que “nos une”, FHC, antes de ser reativada por Lula da Silva. A história do colapso da Nova República pode ser contada no registro dessa reativação. O lulopetismo conduziu a prática a seu ápice, e ao seu esgotamento, conferindo-lhe uma lógica centralizada e atribuindo-lhe a função de perpetuar a maioria parlamentar governista no Congresso.

Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Renato Duque, os três cavaleiros do petrolão, ex-diretores da Petrobras que operavam, respectivamente, pelo PP, PMDB e PT – você os esqueceu, Pestana? Eles são frutos exemplares do “presidencialismo de cooptação”. Até onde se sabe, nosso Gustavo exonerado não se compara a eles, e não foi acusado de crime nenhum – mas uma mesma perversão política elevou todos eles à alta administração pública. “Estratégia de comunicação” equivocada? Num tempo menos indecente, avaliava-se uma crítica por seu valor de face e por sua relevância política. Hoje, indaga-se apenas “a quem interessa?”.

Do mesmo autor:A segunda Cuba (13 de agosto de 2017)

Leia também:Temer e o preço das reformas (editorial de 6 de agosto de 2017)

Leio que Temer decidiu mediar pessoalmente as negociações entre deputados em disputas por cargos. A informação merece tradução: o presidente governa para si mesmo e para os seus, coordenando diretamente a rapina da administração pública. Pestana, que fala em nome de Aécio, insurge-se contra a crítica de FHC pois ela não atende ao interesse do governo Temer. No rescaldo do impeachment, em meio aos escândalos revelados pela Lava Jato, na hora do colapso do sistema político, a maioria do PSDB perfila-se em defesa da ordem falida que nomeia e exonera os Gustavos de tantos Wellingtons.

A crise em curso no PSDB é sobre política, ao contrário das incontáveis guerras intestinas anteriores, que revolviam em torno das perenes ambições presidenciais de seus três caciques. Dessa vez, como explicita Pestana, a ala majoritária do partido escolheu caminhar rumo a 2018 no bloco da velha ordem, junto com o PMDB de Temer, Padilha, Jucá et caterva, os antigos aliados do lulopetismo. De um lado, a opção alarga os espaços para os aventureiros e “salvadores da pátria” de tocaia, na direita e na esquerda. De outro, assinala o encerramento de uma jornada. Este PSDB degenerado é, também, politicamente desnecessário. Que tal, Pestana, retornar ao ninho quente do PMDB, na projetada nova-velha fantasia de MDB?

Demétrio Magnoli é sociólogo.
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