É curioso notar que a maior parte das discussões sobre a escolha do presidente Lula girou em torno de aspectos formais ou simbólicos, como a ausência de títulos de mestre ou doutor no currículo do indicado

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O advogado José Antônio Dias Toffoli, indicado pelo presidente Lula para ocupar um assento no Supremo Tribunal Federal (STF), foi sabatinado pelo Senado na quarta-feira. A indicação foi debatida no meio jurídico e pela sociedade em geral. Cresce a consciência de que é fundamental submeter a uma análise criteriosa as nomeações para a mais alta instância do Poder Judiciário. Em um contexto em que o STF está cada vez mais presente na vida nacional, arbitrando controvérsias que variam da pesquisa com células-tronco aos grandes casos de corrupção, essa movimentação, ainda que incipiente, é saudável e bem-vinda.

Entretanto, é curioso notar que a maior parte das discussões sobre a escolha do presidente Lula girou em torno de aspectos formais ou simbólicos, como a ausência de títulos de mestre ou doutor no currículo do indicado, ou o fato de responder a ações civis ainda em tramitação. Pouca ou nenhuma atenção foi dada àquilo que deveria ser o mais importante: o que pensa o advogado sobre as grandes questões constitucionais de nosso tempo?

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Efetivamente nomeado, Toffoli pode permanecer no tribunal por quase 30 anos. Participará de julgamentos que influenciarão decisivamente os rumos do país. É fundamental, portanto, que a sociedade brasileira conheça as convicções do escolhido, a fim de antever o impacto que a sua aprovação implicará para a evolução da jurisprudência do STF.

O exercício de transparência é altamente recomendável no que diz respeito à constitucionalidade das novas formas de gestão de serviços públicos, em especial aquelas que envolvem a participação de entes e instrumentos de direito privado.

Administrações de todo o país têm se esforçado para superar a chamada "crise do serviço público", recorrendo a mecanismos de direito privado para proporcionar maior legitimidade, agilidade e eficiência na prestação de serviços à coletividade. A difusão do modelo das organizações sociais (OS), instituído por meio da Lei nº 9.637/98, permite hoje ao poder público celebrar contrato de gestão com entidades privadas sem fins lucrativos para a execução de serviços públicos não-exclusivos de Estado (ciência & tecnologia, cultura, saúde etc.).

Esses novos arranjos têm sido cruciais para a abertura de um horizonte propício ao desenvolvimento sustentável do Brasil. Afinal, o modelo tradicional do serviço público – baseado na atuação impositiva e isolada do Estado, sujeito a procedimentos lentos e burocráticos – é muitas vezes incompatível com o dinamismo e complexidade das demandas sociais.

Em 1998, contudo, o PT e o PDT moveram uma ação direta de inconstitucionalidade contra a lei das OS. Um dos advogados que constavam da procuração dos partidos políticos era justamente José Antônio Dias Toffoli. Isso leva a supor que o advogado seria refratário a inovações em termos de serviço público que incorporem mecanismos de direito privado –suspeita essa que, caso venha a ser confirmada, seria motivo de preocupação para parcelas importantes da sociedade brasileira. A prestigiada Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), por exemplo, já comunicou ao STF, em nome da comunidade científica, a importância que da lei das organizações sociais para o setor de ciência e tecnologia.

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Duas questões são, portanto, imprescindíveis: Toffoli pretende manter o seu impedimento para participar do julgamento da ação movida contra a lei, já manifestado quando de sua designação para o cargo de advogado-geral da União? Qual é o seu entendimento sobre a abertura da Constituição Federal para o tema mais amplo da incorporação de mecanismos de direito privado na gestão de serviços públicos?

Para que o sistema de nomeação dos ministros do STF funcione adequadamente, o Senado precisa exercer na plenitude a competência de sabatinar os indicados pelo presidente da República. É o que a Constituição lhe impõe e a cidadania espera.

Rubens Naves e Eduardo Pannunzio são advogados e patrocinam a SBPC, na qualidade de amicus curiae, na ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei nº 9.637/98.