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Trabalho escravo: a batalha pela dignidade está longe do fim

O Congresso Nacional promulgou, no dia 5, a Emenda Constitucional 81/2014, que prevê o confisco de imóveis urbanos e rurais em que trabalho análogo ao de escravo for encontrado, destinando-os a programas habitacionais urbanos e à reforma agrária. Foi o desfecho de uma batalha que começou em 1995, quando a ideia foi apresentada pela primeira vez. Desde então, mais de 46 mil pessoas foram resgatadas do trabalho escravo pelo governo federal em fazendas, carvoarias, oficinas de costura, canteiros de obra, entre outros empreendimentos.

Mas a guerra pela garantia da dignidade dos trabalhadores está longe do fim. Pois o discurso unânime no Congresso, hoje, em favor da medida esconde o fato de que, ao longo de anos, parte dos parlamentares lutou arduamente nos bastidores para impedir o trâmite da proposta. Agora, esses mesmos deputados federais e senadores lutam para regulamentar a emenda de forma enfraquecida.

Regulamentar é importante. Afinal de contas, quando é que a punição deve ocorrer? Após uma fiscalização, uma decisão de primeira instância, uma decisão colegiada ou uma decisão transitada em julgado? Decisão administrativa, civil, trabalhista, criminal?

De acordo com a lei vigente, são elementos que determinam trabalho escravo: condições degradantes de trabalho (aquelas que excluem o trabalhador de sua dignidade), jornada exaustiva (que impede o trabalhador de se recuperar fisicamente e ter uma vida social – um exemplo são as mais de duas dezenas de pessoas que morreram de tanto cortar cana no interior de São Paulo nos últimos anos), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, retenção de documentos, ameaças físicas e psicológicas, espancamentos exemplares e até assassinatos) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele).

O problema é que querem usar este momento para reduzir os casos que podem ser configurados como trabalho análogo ao de escravo. Há um projeto de regulamentação que tenta adotar um conceito parcial, mais restrito do que aquele que está no artigo 149 do Código Penal, sem condições degradantes e a jornada exaustiva como elementos do crime. É como se aprovássemos uma lei para punir assassinatos, mas que só valesse para mortes cometidas entre as 12 e as 24 horas. Os defensores disso têm usado justificativas sem sentido, de que pessoas teriam sido resgatadas apenas por falta de copo plástico descartável, colchões adequados ou excesso de horas extras e não por um pacote de violações. O combate ao trabalho escravo em canaviais, oficinas de costura e canteiros de obras serão os principais afetados com a mudança.

A legislação brasileira é considerada pela relatoria das Nações Unidas para formas contemporâneas de escravidão como de vanguarda, pois considera não apenas a liberdade, mas também a dignidade como valores que precisam ser protegidos. Manter o conceito é fundamental para continuarmos avançando. Vale a pena, para garantir mais competitividade, reduzir direitos dos trabalhadores? Melhor não seria unir forças para resolver de vez essa violência contra os direitos humanos em vez batizá-la com outro nome?

Leonardo Sakamoto, jornalista e doutor em Ciência Política, é membro da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

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