Engana-se quem pensa que tráfico de drogas é exclusividade dos morros, das favelas e das periferias excluídas. Não é de hoje que jovens de classe média e média-alta frequentam o noticiário policial. Crimes, vandalismo, espancamento de prostitutas, incineração de mendigos, consumo e tráfico de drogas despertam indignação e perplexidade. O novo mapa do crime transita nos bares badalados, vive nos condomínios fechados, estuda em colégios e universidades da moda e desfibra o caráter no pântano de um consumismo descontrolado. Operações policiais, com frequência preocupante, prendem jovens de classe média vendendo ecstasy, LSD, cocaína, maconha... Segundo a polícia, eles fazem a ligação entre os traficantes e os vendedores de drogas no ambiente universitário.
O tráfico oferece a perspectiva do ganho fácil e do consumo assegurado. E a sensação de impunidade –rico não vai para a cadeia – completa o silogismo da juventude criminosa. A delinquência bem-nascida mobiliza policiais, psicólogos, pais e inúmeros especialistas. O fenômeno, aparentemente surpreendente, é o reflexo de uma cachoeira de equívocos e de uma montanha de omissões. O novo perfil da criminalidade é o resultado acabado da crise da família, da educação permissiva e do consumismo compulsivo.
A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm gerado uma onda de infratores e criminosos
Os pais da geração transgressora, em geral, têm grande parte da culpa. Choram os desvios que cresceram no terreno fertilizado pela omissão. É comum que as pessoas se sintam atônitas quando descobrem que um filho consome drogas. Que dirá, então, quando vende. O que não se diz, no entanto, é que muitos lares se transformaram em pensões anônimas e vazias. Há, talvez, encontros casuais, mas não há família. O delito não é apenas o reflexo da falência da autoridade familiar. É, frequentemente, um grito de revolta. Os adolescentes, disse alguém, necessitam de pais morais, e não de pais materiais.
Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações para os desvios comportamentais nos meandros das patologias. Podem ter razão. Mas nem sempre. Independentemente de eventuais problemas psíquicos, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais cruel: desumanização das relações familiares. A delinquência, último estágio da fratura social, é, frequentemente, o epílogo da falência da família.
Teorias politicamente corretas no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram a opção preferencial pela permissividade, também estão apresentando um perverso resultado. Uma legião de desajustados e de delinquentes, crescida à sombra do dogma da tolerância, está mostrando suas garras. Gastou-se muito tempo no combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas. O saldo é toda uma geração desorientada e vazia. A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm gerado uma onda de infratores e criminosos. A formação do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. É pena que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio: é preciso saber dizer não!
Impõe-se um choque de bom senso. O erro, independentemente dos argumentos da psicologia da tolerância, deve ser condenado e punido. Chegou para todos, sobretudo para os que temos uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública, a hora da verdade. É necessário ter a coragem de dar nome aos bois. Caso contrário, a delinquência enlouquecida será uma trágica rotina. Colheremos, indefesos, o amargo fruto que a nossa omissão ajudou a semear.
O consumismo desenfreado, tolerado e estimulado pelas famílias, produz uma geração sem limites. O desejo deve ser satisfeito sem intermediação do esforço e do sacrifício. As balizas éticas vão para o espaço. A posse das coisas justifica tudo. É uma juventude criada de costas para trabalho. O fim da história não é nada bom.
Recuperação da família, educação da vontade e combate à impunidade compõem o melhor antídoto contra o flagelo das drogas.