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Opinião do dia 2

Tragédia antigas, inimigos novos

Um médico inglês resolveu ter experiência profissional em um país subdesenvolvido, cuja cultura fosse completamente diferente da sua. Tendo estabelecido seu consultório em uma região pobre da África, ele notou que a atitude do paciente africano diante da doença era, no mínimo, curiosa. Quando constatava ter uma enfermidade, o doente se perguntava: o que me fizeram para que eu ficasse assim?

O médico estava acostumado com a atitude do paciente inglês, a quem a pergunta diante da doença era: o que eu fiz para contrair esse mal? À parte sua estranheza diante dos costumes místicos dos africanos, ele percebeu que a forma com que encaravam a doença exigia modificação na proposta terapêutica.

Ao atribuir aos outros a culpa por seus males, o paciente africano se entregava a rituais e rezas para espantar as pragas que, acreditava, vinham de pessoas que lhe queriam mal. Porém, o fundamental, que seria mudar hábitos errados, o doente não cumpria, porque não via em si mesmo a culpa por suas desgraças. Já o paciente inglês, consciente da sua própria estupidez, sabia que tinha que fazer dieta alimentar, abandonar o fumo e o álcool, enfrentar um programa de exercícios físicos, tudo aquilo que sabemos ser útil para combater os males do corpo.

Os políticos latino-americanos de esquerda, ressalvadas as exceções de praxe, são parecidos com o paciente africano. Para toda tragédia nacional eles acreditam haver, sempre, um inimigo internacional, numa atitude de escapismo estúpido que só retarda as reformas no interior da sua própria casa. Uma explicação para esse comportamento é a baixa cultura econômica, o fanatismo ideológico e a ignorância política. Inventam inimigos e, a cada vez que um deles não serve mais, outro é eleito, num desfilar lamentável de desculpas sem sentido que só faz adiar as soluções internas para os reais problemas do país.

Durante um bom tempo o grande inimigo era o Fundo Monetário Internacional. Tivemos passeatas, abaixo-assinados e a campanha "Fora FMI", invariavelmente com o apoio do PT, da CUT e da CNBB. Nos anos setenta, as multinacionais eram o demônio preferido dos políticos do PMDB, a quem atribuíam a responsabilidade pelo atraso do Brasil. Nos anos oitenta, um novo diabo foi apresentado à nação: a dívida externa. Brizola repetia, o tempo todo, um bordão: "O problema do Brasil são as perdas internacionais". Roberto Campos ironizava o velho caudilho dizendo que de uma coisa ele jamais poderia ser acusado: de ter tido uma única idéia nova nos últimos 40 anos. As tais "perdas internacionais" de Brizola eram os juros da dívida externa.

Um a um os inimigos foram sendo sepultados e nem as crianças acreditam mais que uma empresa multinacional possa ser um mal, o FMI não se mete mais na nossa vida, pois a ele nada mais devemos, e a dívida externa acaba de ser reduzida a 160 bilhões de dólares, não dando mais para atribuir, a ela, qualquer culpa. Ao desaparecem os inimigos externos, nacionalizamos nossas desgraças e, agora, é hora de mirar nosso umbigo e enfiar na cabeça que o problema somos nós mesmos; em seguida, devemos tratar de enfrentar nossos verdadeiros inimigos, que estão aqui dentro e não em outro lugar.

As tragédias sociais brasileiras são antigas, mas precisamos de inimigos novos. Quero dar minha contribuição para a eleição de dois inimigos reais, os quais devemos combater tenazmente: a) o crescimento populacional desordenado; b) o baixo nível educacional. O Brasil precisa, com urgência, implantar uma política de planejamento familiar que inclua informação, orientação e disponibilização de meios para que a grande massa de mulheres pobres e analfabetas não tenham os filhos que não querem ter, ao lado de um "choque de educação" capaz de elevar o nível educacional da maioria pobre do País, que é baixo demais.

José Pio Martins, professor de Economia e Vice-Reitor do Centro Universitário Positivo - UnicenP

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