A biologia tem sido totalmente deixada de lado na questão dos transgêneros mulheres (aqueles nascidos homens, mas que se identificam com o gênero feminino) no esporte. É louvável a inclusão deste estrato social em competições, já que os estudos mostram que o nível de atividade física delas é menor que o da população em geral, muito disso causado pelo preconceito, mas isso não pode se dar à custa da destruição do esporte feminino e contra as evidências científicas.
É recorrente o argumento de que faltam estudos para proibir ou permitir a presença de transgêneros mulheres em competições femininas, como foi a conclusão de uma revisão sistemática de 2017. Desconfio de que isso seja proposital, já que para o óbvio não há necessidade de estudos. Fez sucesso um artigo satírico no British Medical Journal que comparava pular de um avião com ou sem paraquedas para avaliar mortalidade. Como o pulo era feito a uma altura de dois metros, ninguém morreu, e não se precisa de estudo algum para saber que quem pula de um avião sem paraquedas vai morrer. As diferenças entre homens e mulheres são tão cristalinas que não há necessidade de estudos – na verdade, deveria ser o contrário: o ônus da prova deveria ser de quem defende a inclusão no esporte feminino.
Deve ser iniciada uma séria discussão sobre o uso de terapia hormonal prescrita por médicos para transgêneros masculinos e femininos em doses que, muitas vezes, causam inúmeros problemas e aumento da mortalidade
A conclusão da revisão sistemática é no mínimo pitoresca. Relata que, embora homens tenham melhor desempenho no esporte que as mulheres, não se sabe a causa disso (?) e que, mesmo que as transgêneros femininas tenham melhor desempenho, ele não é muito maior que as diferenças fisiológicas (como ter maiores mãos) ou financeiras (como melhores condições de treino). É uma conclusão absolutamente inacreditável, que tenta por meio de palavras negar o que salta aos olhos.
A primeira falácia que deve ser destruída é a fixação pela concentração sérica de testosterona. Querem apagar todas as diversas vantagens genéticas já ao nascimento, além dos anos de ação androgênica, por uma simples aferição de nível de testosterona no sangue. Embora seja verdade que a baixa dos hormônios masculinos traga, sim, uma perda atlética, em nada compensa as vantagens de ter nascido homem. Afinal, altura, comprimento de membros, densidade óssea, massa muscular e diversas outras características não chegarão nunca a níveis femininos, ainda mais levando-se em conta que a vida útil de um atleta é curta, não havendo nem sequer tempo hábil para tal.
A baixa de hormônios androgênicos é realizada com bloqueadores hormonais – os mesmos bloqueadores utilizados em pacientes com câncer de próstata. Embora estes pacientes sofram diversos efeitos colaterais pelo bloqueio androgênico, em hipótese alguma serão comparáveis fisicamente a mulheres. Um interessante estudo que dá luz a esta questão foi realizado por Goren e Bunck, que avaliaram a massa muscular em transgêneros mulheres após um ano do uso de tratamento hormonal bloqueador, comparando-a com a de homens transgêneros que não fizeram uso de hormônios masculinos. O resultado foi que a massa muscular delas era maior que a dos transgêneros homens (nascidos mulheres). Isso mostra que, embora haja queda da massa muscular, ela jamais ocorrerá a ponto de transformá-la em um nível feminino.
Em 2016, ficou definido que o padrão para se poder competir entre as mulheres deve passar pelos seguintes critérios: considerar-se mulher por no mínimo quatro anos e ter níveis de testosterona menores que 10 nmol/litro nos últimos 12 meses. Isso é um completo chute não baseado em evidências, como é grande parte das recomendações nesta área. O estudo mais citado para permitir a presença de transgêneros femininos em competições femininas é o de Harper (por sinal, também ela é transgênero), que avaliou oito atletas transgêneros femininas em esportes de longa distância (5 a 42 quilômetros) em que mostrou grande perda atlética após a transformação de homem em transgênero feminina. Temos enormes problemas neste estudo, além do número irrisório de participantes. Um deles é o tipo de esporte envolvido, que depende pouco da força por se tratar de corrida de longa distância. Mas o principal é o fato de o tempo ter sido aferido pelas próprias atletas, dando chance a viés de informação ou até a mentiras.
Outros estudos aferiram a densidade mineral óssea de transgêneros femininos. Quando comparada com a de homens da mesma idade, essa densidade aumentou! Isso se deve ao uso de terapia hormonal estrogênica – ou seja, ainda é acrescida uma vantagem. E neste tópico cabe uma discussão sobre os inúmeros malefícios que o uso da terapia estrogênica em altas doses pode causar, tais como tromboembolismo e doença cardiovascular. Deve ser iniciada uma séria discussão sobre o uso de terapia hormonal prescrita por médicos para transgêneros masculinos e femininos em doses que, muitas vezes, causam inúmeros problemas e aumento da mortalidade. Há uma verdadeira histeria para impedir, por exemplo, o uso de anabolizantes para fins estéticos; mas, quando os mesmos anabolizantes são usados para transgêneros masculinos, há uma glamourização, como se aquilo não fosse prejudicial ao paciente. Ao meu ver, o uso para estes fins deveria ser proibido e esta discussão deveria ser iniciada na comunidade médica. Além disso, há o risco de cirurgias que podem aumentar a mortalidade, como a retirada dos ovários nos transgêneros masculinos.
É hora de se levar em conta as evidências científicas nesta discussão. Em 2017, foi nítido o constrangimento dos médicos que liberaram a participação de uma atleta de vôlei transgênero feminina para competir; eles deixaram claro que ela não deveria atuar no esporte feminino se dependesse de suas opiniões pessoais, mas os profissionais tiveram de permitir sua participação, pois ela se encaixava nas regras do Comitê Olímpico Internacional. Deve-se pensar em políticas inclusivas para este estrato da população, mas isso deve ser feito com racionalidade e sem destruir o esporte feminino, inclusive evitando o risco à integridade física das atletas, como nas competições que envolvem lutas.
Raphael Câmara Medeiros Parente, médico ginecologista e obstetra, doutor em Ginecologia e mestre em Saúde Pública, é conselheiro federal do CFM.
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