A sociedade brasileira convive, historicamente, com a violação ao dever de publicidade da administração pública. Tal anormalidade manifesta-se no insuficiente grau de acessibilidade aos atos administrativos, na divulgação de orçamentos incompreensíveis (muitas vezes envoltos em um desnecessário tecnicismo contábil), na indiferença diante do dever inescusável de prestação de contas (“accountability”). Tudo isso faz parte da recente realidade nacional.
A principal consequência dessa obscuridade está na dificuldade do exercício do controle, especialmente o social, daí decorrendo devastadores efeitos, dentre os quais os altos índices de corrupção, as políticas públicas inconsistentes, a retroalimentação das condições de desigualdade, o distanciamento dos cidadãos em relação à política. Enfim, porque pequena a participação, não há projeto claro, factível e legítimo para o país.
O acesso às informações tem a envergadura de direito fundamental, sendo certo que os preceitos da Constituição de 1988 vieram a significar que as informações públicas, sob a guarda do Estado, pertencem aos cidadãos e, por isso, é estabelecido aos agentes públicos o dever de adotar as medidas necessárias para que todos as conheçam.
Gradativamente, agregaram-se regras à ordem jurídica no anseio de conferir efetividade ao mencionado princípio. A Lei Complementar 131/2009 institui mecanismo para a “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público”. A Lei 12.527/2011, ao disciplinar o acesso aos registros administrativos e às informações sobre atos de governo, consolidou o marco regulatório sobre a informação pública.
Observa-se que nem mesmo a Emenda Constitucional 106/2020, que estabeleceu o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações simplificadas para atender às necessidades decorrentes da pandemia, afastou o dever de transparência fiscal e de prestação de contas. De igual forma, a LC 173/2020, ao tempo em que admite a atenuação das exigências normalmente aplicáveis à execução orçamentária, reafirma as obrigações de transparência, controle e fiscalização. Menciona-se, ainda, como exemplo do papel do Judiciário como garantidor do Estado de Direito, a decisão do STF que suspendeu a eficácia da MP 928/2020, que limitava o acesso às informações prestadas por órgãos públicos durante a emergência de saúde (ADI 6.351).
Representativa de uma nova fase em direção à plena transparência, comprometida com a efetiva compreensão das informações, a EC 108, de 26 de agosto de 2020, que trata da redistribuição das receitas tributárias e do Fundeb, absorveu integralmente o princípio da transparência fiscal, ao introduzir o artigo 163-A, que determina aos entes federados que disponibilizem as informações contábeis, orçamentárias e fiscais “de forma a garantir a rastreabilidade, a comparabilidade e a publicidade dos dados coletados”, avançando significativamente ao trazer à ordem constitucional aquilo que já se previra no plano infraconstitucional e se apresenta como pressuposto para o exercício da educação e da cidadania fiscal.
Pretende-se, com a proteção eficiente da transparência administrativa, estimular o controle social da administração pública, inclusive pelo incentivo às instituições que organizadamente venham a exercê-lo. Assim se procede, porque a exposição daquilo que é público fortalece a capacidade das pessoas de participarem, de modo efetivo, da tomada de decisões que inexoravelmente as afetam, o que se faz por meio do permanente monitoramento e cobrança dos gestores. Ao final, certamente, essas medidas que potencializam a cidadania levarão à melhor qualidade dos gastos públicos.
Cláudio Smirne Diniz, doutor em Direito, é promotor de Justiça e professor de Direito Administrativo. Hirmínia Dorigan de Matos Diniz, mestre em Direito, é procuradora de Justiça e professora de Direito à Educação.
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