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Transporte coletivo reage no segundo tempo

É interessante como mudanças que partem de um consenso podem sofrer resistência no momento em que começam a ser realizadas. Dificilmente alguém discordaria de que o transporte público deve ter prioridade sobre o transporte individual. Porém o individualismo, que sente vergonha de se manifestar durante o debate, ressurge no momento em que a prioridade indiscutível começa a ser materializada.

As mudanças em discussão para a Rua Padre Anchieta não têm a ver com bicicleta, mas sim com ônibus. Elas fazem parte de um esforço da Prefeitura de Curitiba para mudar a realidade mostrada na Gazeta do Povo no dia 18 de agosto: "Transporte privado dá de 8 no público". De acordo com a reportagem, "77% dos investimentos dos governos em infraestrutura viária se destinam a meios individuais de locomoção". É a "cultura do carro", como enfatizou o engenheiro Ricardo Bertin, ouvido pela Gazeta. O carro, disse ele, é o principal sonho de consumo do brasileiro, e "somente quando o usuário perceber que é vantajoso optar pelo transporte coletivo, em termos de dinheiro, tempo, segurança, conforto e acessibilidade, ele irá deixar seu veículo na garagem".

O projeto em estudo para a Padre Anchieta não visa a implantação de uma ciclofaixa, mas sim do Ligeirão Leste-Oeste. É uma das quatro grandes obras do PAC Mobilidade, junto com o metrô, a Linha Verde Norte e o novo Inter 2. Para implantar o Ligeirão, será necessário estreitar as vias por onde circulam os automóveis. O transporte coletivo, portanto, ganhará parte do espaço que hoje serve ao transporte individual. Com isso, os carros terão de circular mais lentamente, criando condições para a eventual implantação de uma Via Calma, como consequência do Ligeirão Leste-Oeste, e não como motivo da alteração.

O comércio também será favorecido, pois com as bicicletas o número de pessoas circulando será maior, assim como a atenção às vitrines. E nenhuma vaga de estacionamento ao longo da via será retirada. Essa e outras intervenções têm sido democraticamente debatidas, em consultas públicas, na imprensa e pela internet.

Quanto às bicicletas, o espantoso é que Curitiba tenha demorado a perceber que elas são o que há de mais contemporâneo em termos de mobilidade, e que representam a retomada do espaço urbano pelas pessoas, promovendo a convivência, a saúde, a tranquilidade e o prazer.

Ninguém é obrigado a pedalar, mas todos precisamos aprender a conviver com o ciclista, com respeito e com a consciência de que ele ocupa menos espaço. Ou seja, não é o ciclista que provoca o engarrafamento; é o motorista.

A Via Calma nada mais é que um espaço para favorecer essa convivência. Ela não é uma faixa exclusiva, mas sim uma sinalização para que o ciclista seja percebido pelos motoristas e, com isso, a circulação se torne mais segura. Os motoristas não são proibidos de circular pela faixa; devem é usar o bom senso, pensando no coletivo: se há uma bicicleta se aproximando, deixe a faixa livre para que ela possa seguir. Se não há, pode passar com o carro sobre a faixa.

O que se pensa para a Padre Anchieta, e para várias outras regiões da cidade, com os cerca de R$ 5 bilhões que a prefeitura conquistou para dar o maior salto de qualidade do transporte coletivo desde a implantação das canaletas, representa a reação do transporte público. Depois de levar de 8 a 1 durante quase uma década, Curitiba tem um segundo tempo para tentar virar o jogo.

Sérgio Póvoa Pires é presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).

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