Diversos países com grandes extensões territoriais investiram, ao longo do tempo, em uma malha ferroviária robusta. Os Estados Unidos, por exemplo, têm cerca de 150 mil quilômetros de ferrovias. A China, mais de 100 mil quilômetros. A Rússia, 85 mil quilômetros. A Índia, 68 mil quilômetros. Por sua vez, o Brasil, embora seja a quinta maior nação do mundo em área, possui apenas 28 mil quilômetros de trilhos instalados.
Com um território de 8,5 milhões de km2, contamos com uma malha ferroviária equivalente à da França, país com uma área total de 550 mil km2. E nem é preciso ir tão longe para constatarmos o descompasso. A Argentina, por exemplo, conta com 36 mil km de ferrovias. A situação brasileira é ainda mais intrigante se considerarmos que menos da metade da malha ferroviária total – somente 12 mil quilômetros de trilhos – é utilizada para o transporte de cargas.
Novos investimentos em ferrovias são cruciais para aprimorar as cadeias de suprimentos no Brasil e impulsionar a economia.
Em tempos de atenções cada vez mais voltadas ao aumento da eficiência e ao combate aos desperdícios, o alheamento do Brasil ao modal ferroviário soa não menos do que anacrônico. De acordo com a Associação Nacional dos Transportes Ferroviários (ANTF), cada vagão em um trem tem capacidade para transportar quase quatro vezes o volume de um caminhão: enquanto uma composição ferroviária é capaz de carregar 100 toneladas, caminhões de grande porte comportam, em média, 28 toneladas.
Além de eficiente, o transporte ferroviário é seguro e ambientalmente amigável em comparação com o modal rodoviário. Logo, se o transporte sobre trilhos faz todo sentido ao Brasil, por que a malha ferroviária nacional não é, enfim, ampliada? Os desafios habitam questões como a necessidade de mudanças estruturais e a necessidade de investimentos.
Não é segredo que as construções de ferrovias são projetos de longo prazo, frequentemente pouco atrativos para ciclos eleitorais, por exemplo. Paralelamente, é necessário que a articulação entre os agentes públicos e privados incentivem a integração com os outros modais existentes. Vale destacar que o Plano Nacional de Logística, publicado em 2021, estabelece como um dos objetivos a participação da malha ferroviária nacional em 40% dos transportes de cargas no Brasil até o ano de 2035. É do mesmo ano o Marco Regulatório do Setor Ferroviário, que entre suas definições, possibilita a construção de ferrovias por autorização – o mesmo tipo de permissão para telecomunicações e energia elétrica, por exemplo. De acordo com o Governo Federal, a autorização ocorre por meio de um contrato simplificado em que o particular interessado assume maior risco pelo empreendimento.
Conforme notícias veiculadas em 2022, desde a aprovação do texto seis grupos empresariais já haviam recebido autorização para tirar do papel projetos de construção e operação de nove ferrovias no país. Essas estradas de ferro autorizadas têm potencial de agregar mais de 3,5 mil quilômetros de novos trilhos à rede ferroviária existente no país, e movimentar mais de R$ 50 bilhões em investimentos. Para se ter uma ideia do impacto, o orçamento público do antigo Ministério da Infraestrutura em 2021 foi de apenas R$ 7 bilhões.
Contra os pontos positivos de medidas como essa está a realidade: as estradas de ferro representam 20% da matriz brasileira de transporte de cargas, segundo números da Associação Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O contraponto em relação às rodovias é gritante: mais de 60% das cargas nacionais são transportadas em autoestradas, que somam 1,7 milhão de quilômetros no território nacional. Mesmo assim, podemos dizer que a perspectiva para os próximos anos é de otimismo, mas com firmes pés no chão. De acordo com o governo federal, nos primeiros 100 dias de 2022 foram empenhados R$ 800 milhões em obras de infraestrutura rodoviária e ferroviária. E neste ano (2023), já foram aplicados R$ 3,3 bilhões em recursos públicos em projetos voltados ao transporte.
A iniciativa privada também tem importante participação no projeto de expansão da malha ferroviária brasileira. Após 36 anos, a ferrovia Norte-Sul foi recentemente concluída, abrindo um potencial para reduzir fretes em 40% no corredor atendido, de acordo com especialistas. O último trecho foi entregue em maio de 2023, entre Palmeiras de Goiás e Goianira, no interior de Goiás.
O Brasil, com suas dimensões continentais e sua diversidade geomorfológica, abriga uma capacidade imensa para o desenvolvimento da malha logística. Além das ferrovias, a navegação interior, atualmente explorada em apenas um terço do seu potencial, e a cabotagem trazem possibilidades fantásticas para dinamizar os transportes no país, pavimentando o caminho para uma realidade multimodal capaz de reduzir os custos logísticos no mercado interno – equivalentes a 12,5% do PIB do país, contra 10% do PIB europeu e 8% do PIB americano, segundo estimativa do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos).
Novos investimentos em ferrovias e em todas as soluções de transporte são cruciais para aprimorar as cadeias de suprimentos no Brasil e impulsionar a economia. Não podemos, mais uma vez, deixar o trem passar.
Pierre Jacquin, executivo com experiência nas indústrias de tecnologia, inteligência de mercado e Supply Chain, é vice-presidente da project44 na América Latina.