Ouça este conteúdo
A crise no transporte público não é assunto novo: ela já vem sendo discutida há anos, e não são apenas as grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, as afetadas. No geral, o Brasil passa por um momento muito delicado em relação a esse problema, sendo que são os usuários de ônibus, trens e metrôs os mais afetados.
Talvez o impacto mais significativo tenha sido durante a pandemia da Covid-19, que gerou graves sequelas para esse setor, sobretudo no âmbito financeiro. Com todas as medidas impostas para preservar a saúde e a segurança da população, que contribuíram para o decréscimo no número de passageiros, houve significativa redução na receita das empresas, afetando manutenção, operação e investimentos necessários para manter a qualidade dos serviços.
Porém, a situação é ainda mais grave do que aparenta ser. De acordo com uma pesquisa feita em 2023 pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), 53% das cidades que possuem transporte público instituído não são capazes de subsidiar esse sistema completamente, muitas vezes dependendo de recursos externos para tal. Como consequência, 28 milhões de pessoas moram em áreas que podem ver o transporte coletivo deixar de existir devido à impossibilidade de mantê-lo.
Inclusive, 89% dos municípios que responderam ao levantamento da CNM apontaram que necessitam de uma política federal de transferência permanente de recursos para custeio operacional. Ainda de acordo com os dados coletados, para evitar a paralisação do transporte público, muitas das cidades têm subsidiado a diferença entre a tarifa social e a técnica, porém, essa solução não é sustentável no longo prazo.
O que pode ser feito, então, para tentar reverter a situação? A resposta, obviamente, não é simples, mas algumas ponderações podem ser feitas. Inicialmente, temos de enxergar o caráter social e humanístico do transporte público, pois não se trata apenas de meios de transporte, mas de verdadeiro assegurador de direitos: o transporte público permite que as pessoas possam se deslocar até uma escola, um hospital, repartições do serviço público, entre outros. Quando compreendido dessa forma, passamos a ver o transporte coletivo como algo essencial.
Além disso, temos de entender o que leva as pessoas a se locomoverem de um ponto a outro e qual a razão de escolher o transporte público em si. A depender dos motivos dos deslocamentos da população, conseguimos entender melhor qual modal melhor atende aquele grupo ou aquela localidade. Quando entendemos o que leva a população a optar por meios de locomoção públicos, conseguimos enxergar o que é mais importante para os usuários – se é o tempo da viagem, se é o valor da passagem, se é a qualidade ou conforto do meio de transporte escolhido.
Isso ajuda o poder público a pensar e desenhar soluções que vão para além do diálogo com as concessionárias e permissionárias que prestam os serviços de transporte público, bem como discussões que foquem só em tarifas, passando a discutir também infraestrutura, novos modais, melhor integração entre os meios já existentes etc.
Pensando em algo mais concreto e em sintonia com o cenário atual, onde há um olhar cada vez mais atencioso e necessário para práticas de sustentabilidade e acessibilidade, é possível levar em conta diferentes formas de transporte público, como caronas compartilhadas, como temos, por exemplo, em Fortaleza, ou reforçar o uso de bicicletas e patinetes. São medidas que não só podem propiciar mais benefícios e comodidade para a população como são de bom grado para as próprias empresas e cooperativas de transportes, uma vez que poderão focar muito mais em trajetos e itinerários eficientes, ofertando um serviço de maior qualidade, redução de frotas e custos, tarifas mais justas e que não só remunerem os serviços prestados como, naturalmente, deem o lucro necessário (e esperado).
Tudo isso passa, naturalmente, por entender as necessidades dos usuários, dialogar com os operadores dos sistemas e também melhorar a infraestrutura e outras áreas ligadas diretamente ao uso de vias públicas, como a segurança pública.
Ainda em tramitação no Congresso Nacional, uma minuta do novo Marco Legal do Transporte Público Coletivo, criado pelo Ministério das Cidades, tem como objetivo aprimorar a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PL 3278/2021) e criar uma rede de transporte público coletivo mais eficiente. O projeto visa a uma reestruturação do modelo de prestação de serviços de transporte público coletivo, a fim de integrar diferentes modos de transporte e serviços complementares e oferecer uma rede única de transporte acessível e universalizada.
O Marco foi elaborado com a participação ativa da população e com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Depois de receber mais de 800 contribuições por meio de consulta pública, o texto passou por revisões que consideraram as sugestões da consulta e do Fórum Consultivo de Mobilidade Urbana, além de ajustes jurídicos, visando atender às demandas regulatórias e críticas identificadas.
Matheus Teodoro é advogado, consultor em Direito Público e Relações Institucionais e mestre em Direito pela Universidade de Fortaleza.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos