As hostilidades do Equador em relação às empresas brasileiras Odebrecht, Petrobras e Furnas parecem moldar o cenário ideal para inserir na pauta brasileira a análise da oportunidade de assinar e ratificar a Convenção de Washington de 1965, que criou o Centro Internacional para Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de outros Estados (Cirdi). O Cirdi é pouco conhecido no Brasil fora dos meios acadêmicos. Ao contrário do que se poderia pensar, não se trata de um tribunal internacional permanente, mas de um centro que administra procedimentos de conciliação e arbitragem de controvérsias oriundas de investimentos internacionais. Do ponto de vista jurídico, a mais notável característica da Convenção de Washington é capacitar as empresas investidoras em países estrangeiros a processar diretamente o Estado receptor do investimento em um foro internacional, sem necessitar da intervenção de seu Estado nacional. Esta intervenção ocorreria apenas no momento da assinatura e ratificação da convenção.
O principal objetivo do Cirdi consiste em proporcionar uma alternativa para dirimir conflitos jurídicos que tenham raízes no relacionamento entre Estados e particulares de nacionalidade diversa, no contexto de uma instituição internacional permanente, dessa forma "despolitizando" as controvérsias internacionais com raízes em investimentos estrangeiros. O envolvimento do Estado nacional na defesa de suas empresas nacionais pode ser interpretado como um ato inamistoso em face do Estado receptor dos investimentos, inclusive interferindo nas relações bilaterais entre os dois Estados e levando a uma politização indevida dos interessas comerciais. Por outro lado, a não-interferência do Estado nacional da empresa lesada deixaria a mesma em situação de abandono diante do poder soberano do Estado receptor do investimento. No caso em questão, a intervenção do Brasil em prol das empresas brasileiras que investem no Equador teria potencial para criar um imbróglio diplomático com aquele país, num momento em que o continente sul-americano tenta construir sua integração pela via da Unasul. Por outro lado, a omissão do Brasil deixaria nossas empresas desprotegidas, à mercê da soberania equatoriana.
O Brasil não é parte da Convenção de Washington, tendo em vista que a criação do Cirdi, na década de 60, gerou uma oposição generalizada dos países latino-americanos, que mantinham uma atitude hostil frente aos investimentos estrangeiros em geral, em grande parte devido à história de opressão na região. É mister registrar que no século XIX a América Latina abrigava os únicos Estados novos da comunidade internacional, que conviviam com as posições de força adotadas pelos velhos Estados europeus e pelos Estados Unidos, verdadeiros artífices do direito internacional.
Entretanto, a partir da década de 80, e principalmente durante a década de 90, a postura da América Latina em relação ao Cirdi mudou radicalmente, em virtude das necessidades de uma época em que o financiamento público do desenvolvimento econômico tornava-se cada vez mais difícil, reforçando a importância dos investimentos estrangeiros. Por conseguinte, quase todos os países da região aderiram à Convenção de Washington, com exceção do Brasil e do México. Se o Brasil tivesse acompanhado seus pares latino-americanos, as atitudes do Equador que atingiram empresas brasileiras poderiam ser julgadas em um foro internacional e, sendo consideradas ilícitas, resultariam em uma indenização para aquelas empresas. No início do século XXI, talvez o Brasil devesse considerar sua condição de país exportador de investimentos, propiciando uma alternativa internacional de solução de controvérsias para suas empresas públicas ou privadas que investem no exterior.
Larissa Ramina, doutora em Direito Internacional pela USP, é professora da Unibrasil.