O ano de 2022 começou com valor do salário mínimo definido pelo governo federal a R$ 1.212. Analisando rapidamente, tem-se a impressão de que a alta de R$ 112 em relação aos R$ 1.100 vigentes ao longo de 2021 traz benefícios reais ao poder de compra da população. Mas isso não é uma verdade. Ao olhar atentamente para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – indicador que corrige o salário mínimo – de 2021, de 10,16%, fica fácil entender que mais uma vez, pelo terceiro ano consecutivo, o salário mínimo não teve aumento real. Para ficar no zero a zero, o piso em 2022 deveria ser de R$ 1.213.
É importante lembrar que o novo piso de R$ 1.212 é aplicado aos aposentados, beneficiários e pensionistas do INSS, quem trabalha pelo regime de CLT e empregados recém-contratados. Contudo, empregos considerados hipersuficientes, ou seja, que têm o salário acima do dobro do valor teto da previdência, atualmente em R$ 6.433,57, não serão contemplados. A elevação do salário mínimo em 2022 altera também o valor de cálculo de benefícios previdenciários, sociais e trabalhistas. No caso das aposentadorias e pensões por morte ou auxílio-doença, os valores deverão ser atualizados com base no novo mínimo. O mesmo vale para o Benefício de Prestação Continuada, que corresponde a um piso e é pago a idosos a partir de 65 anos e pessoas com deficiência de baixa renda. Cálculos das contribuições dos trabalhadores ao INSS também serão reajustados.
Segundo o IBGE, 2021 teve a maior inflação dos últimos seis anos. Os 10,06% do IPCA, outro indicador de inflação, ficaram muito acima da meta de 3,75%, com tolerância até 5,25%, previsto pelo Banco Central. Outro dado revelado pelo IBGE é que a inflação de 2021 está entre as cinco mais altas desde a implementação do Plano Real, em 1994.
A expectativa do Ministério da Economia era de que o INPC tivesse alta de 10,02% em 2021, mas o IBGE mostrou que o número foi de 10,16%. Portanto, o que o governo federal propôs de reajuste não foi suficiente para, de fato, aumentar o poder de compra de grande parcela da sociedade e nem para atender à Constituição Federal de 1988, que determina a preservação do poder aquisitivo do salário mínimo. Ou seja, o governo errou duas vezes, ao mesmo tempo!
Outra curiosidade que chama atenção refere-se aos saldos negativos do governo. Em 2019, o déficit primário do Brasil – em valores nominais – foi de R$ 95,1 bilhões. Em 2020 subiu para R$ 743,1 bilhões. Em 2021, a previsão da equipe econômica era de fechar o ano com insuficiência de R$ 95,8 bilhões. Se o governo teve esses valores negativos nos últimos três anos, por que não se esforçou para que o salário mínimo de 2022 pudesse ao menos repor a inflação de 2021? Lembro que o piso deveria ser de R$ 1.213 neste ano.
Alguns podem dizer que faltou pouco, apenas um real, mas vale ressaltar que, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo serve de referência para 56 milhões de pessoas no Brasil. Ou seja, todos ficaram sem aumento real no poder de compra, o que impacta negativamente a já debilitada economia do país. A Constituição afirma que o salário mínimo deve garantir a moradia, alimentação, lazer, saúde, dentre outros direitos fundamentais, como a própria previdência. Segundo o atual cenário econômico do Brasil, para que o cidadão pudesse ter todas estas “regalias” com o salário mínimo, seu valor deveria ser de pelo menos R$ 6 mil. Analisando esta informação, parece utopia. Porém, isso poderia ser atingível se tivéssemos um Estado com menos gastos, uma reforma tributária para dar fôlego para as empresas e políticas públicas efetivas de proteção.
O governo alega que cada aumento de R$ 1 no salário mínimo eleva suas despesas em R$ 364,8 milhões. Contudo, parece não dar muita importância aos gastos de R$ 204,83 milhões por meio do cartão corporativo de janeiro a outubro de 2021, último mês do ano com contabilização fechada. O valor foi o maior durante os anos de governo do atual presidente da República, segundo dados obtidos pelo Portal da Transparência. Por isso, vale uma reflexão: qual seria o efeito de um aumento do salário mínimo nas contas públicas? E veja que não me refiro a valores exorbitantes, mas apenas para repor a inflação de 2021.
É verdade que as avaliações a serem feitas exigem grande capacidade de análise para equilibrar as contas. Mas essa tarefa cabe aos governantes, que foram eleitos para ajudar a população. Torna-se evidente que o governo federal não conseguiu, de novo, aumentar o poder de compra de uma enorme fatia da população que ganha o piso salarial. Considerando que entramos no quarto ano desta gestão, mesmo com pandemia, é pouco para quem se propôs a melhorar as condições de vida do brasileiro. Entendo, por fim, que este aumento significativo aparente seja uma forma de o atual governo aumentar sua popularidade em busca da reeleição.
Arno Bach é especialista em Direito do Trabalho, Direito Empresarial e professor de pós-graduação.