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Em 2016, Raí deu uma entrevista em que respondeu sobre o que mais o tinha impressionado quando viveu na França – era o fato de sua filha ir à mesma escola que a filha de sua empregada. Raí teve a sensibilidade de perceber que para um brasileiro isso era mais surpreendente do que as belezas de Paris. Mas um francês não se surpreenderia. Há décadas o acesso à educação de base é igual para todos, independentemente da renda da família.

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Mas nem sempre foi assim. O esforço para a educação de qualidade começou na França, em 1881, quando o governo fez uma reforma liderada pelo ministro Jules Ferry. À época, a educação pública de qualidade para todos se tornou uma obsessão nacional. E não foi apenas a França que fez essa opção para com formar uma nação rica e justa.

Preferimos a mentira demagógica de fazer tudo ao mesmo tempo, deixando a educação para trás

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Quando o estádio Beira Rio foi inaugurado, em Porto Alegre, em 1969, as arquibancadas mais pobres eram chamadas de Coreia. O nome surgiu porque a Coreia do Sul era símbolo de pobreza. A renda anual per capita era de US$ 1,7 mil, metade da brasileira; o produto industrial era de 11,2% do PIB e toda sua indústria era simples; enquanto, no Brasil, a indústria era 25,4% do PIB com alguns produtos sofisticados.

Em 50 anos, a Coreia do Sul deu um salto e hoje sua renda per capita é superior a US$ 20 mil e a brasileira é inferior a US$ 10 mil. Essa inversão se deve às estratégias deles e à nossa: eles fizeram uma revolução na educação e investiram no desenvolvimento da ciência e da tecnologia; nós deixamos a educação de base em segundo plano e não conseguimos dar o salto na ciência e na tecnologia.

A Irlanda é outro exemplo. Faz alguns anos que fui visitar o país. Queria entender como foi possível sair da péssima situação de sua educação nos anos 1970, para uma circunstância privilegiada 30 anos depois. Soube que o salto foi resultado de uma estratégia decidida em acordo entre políticos, sindicalistas e empresários, que acertaram dali para frente tornar prioridade do país a educação, ciência e tecnologia. Nenhuma criança seria deixada para trás, nenhum cérebro desperdiçado. O resultado é que a Irlanda é um país dinâmico, sem pobreza.

Opinião da Gazeta: Nossa catástrofe educacional (editorial de 2 de setembro de 2018)

Leia também: Recuperando a capacidade de ler com Dante Alighieri (artigo de Fausto Zamboni, publicado em 24 de setembro de 2018)

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Ao saber que o acordo pela educação havia sido construído em um castelo em Kork, pedi que o embaixador Stélio Amarante me levasse até a cidade. Ele me disse que as estradas eram péssimas e a viagem levaria dias. Perguntei como era possível um país que dera o salto na educação não ter feito uma boa malha viária. Ele olhou e disse “por isso mesmo!”. Fez um longo silêncio. “Optaram pela educação. Agora, vão fazer as estradas”.

O Brasil dificilmente faria um acordo desse tipo porque não optamos pela educação, nem temos o entendimento de que é preciso fazer escolhas para gastar os recursos escassos. Preferimos a mentira demagógica de fazer tudo ao mesmo tempo, deixando a educação para trás, porque ela não aparece aos olhos do eleitor. Salvo depois de feita, nos resultados obtidos na construção do país, como fizeram França, Irlanda, Coreia do Sul.

Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.