Ouça este conteúdo
Abril de 2021. Um Supermercado. Eu chego, desde uma rua vazia, sozinho. Olhos suspeitosos acompanham minha entrada pela porta automática. Registram a temperatura ao ingressar. Enquanto faço as compras, qualquer tosse breve levanta olhares apavorados ou irados que, no fundo, estão cheios de medo. O medo do contágio, o medo da morte.
Durante dois anos vivemos este medo grudado à pele, envenenando as nossas relações. Ultimamente, parece que conseguimos superá-lo, esquecê-lo. Porém, hoje, Dia de Finados, tudo ressurge: é o dia dos defuntos, o dia da morte. Terei que voltar a este pensamento incômodo ou, francamente assustador, da possibilidade de minha morte? Terei que voltar a viver por um dia estas horríveis lembranças de pandemia e de medo?
O que fazer? Posso esconder a cabeça na areia, ir trabalhar normalmente, manter a rotina para tentar obter um mínimo de normalidade. Posso me divertir, curtir o feriado, assar um churrasco e afogar na cerveja e na música qualquer preocupação transcendente. Se a família o exige, posso ir de má vontade ao cemitério, o mais rápido possível, para cuidar da tumba de algum ente querido, colocar flores e realizar uma breve oração. Posso também buscar parecer forte, afrontar o tema, tentando exorcizar o medo pela coragem.
O que deveria fazer, contudo, é mais simples - o que não quer mais dizer fácil: pensar na morte, pensar na minha morte, e tentar viver em paz com ela. Principalmente por três razões:
1) Faz aproveitar melhor a vida. Se hoje fosse meu último dia, com quanta energia o viveria? Cada momento deveria contar. Todas as horas que normalmente gasto em coisas supérfluas como as aplicaria?
2) Torna sábio: a quê coisas dedicar este tempo que me resta? A presença da morte nos obriga a relativizar muitas atividades. Que diferença tem um pouco mais de dinheiro se amanhã vou morrer? O que vale o meu tempo pessoal para descansar se talvez sejam os últimos dias para ver a minha família nesta terra? Sobretudo se relativiza o grande ídolo de hoje: a saúde. “Graças a Deus tenho o mais importante, a saúde”. Ouvimos falar isso frequentemente. Mas de frente à morte, é realmente o mais importante?
3) Por que no final, de que adianta tudo o que vivo aqui, se vou morrer? Talvez a principal pergunta que aqui aflora é a seguinte: o que vem depois? Ninguém nunca voltou da morte. Alguns fizeram experiências próximas, porém, nunca chegaram à morte total. Será que tem alguma coisa mesmo? Esta pergunta espanta; a perspectiva de perder tudo, até de deixar de existir, é terrível. Porque a pior morte não é a do corpo, mas a do espírito: é a morte do sentido da minha existência.
Chegamos então à dúvida crucial da nossa vida: tem uma “vida eterna”, um Deus que dá sentido à minha vida e a minha morte? E essa pergunta todos devem questionar-se. Se for hoje, melhor.
Por que não aproveitar hoje para afrontar esta questão? Hoje ou amanhã, busque ir ao cemitério onde está enterrado um familiar próximo. Permaneça um momento diante da tumba, reflita. Pense na sua vida, pense em Deus, o Único que pode dar um sentido a esta tremenda realidade. Qual será o sentido da morte? Talvez tenha resposta para nós o antigo escritor Tomás de Kempis: “quem se lembrará de ti depois da morte, quem rogará por ti? Faze já, irmão caríssimo, quanto puderes; pois não sabes quando morrerás nem o que te sucederá depois da morte. Enquanto tens tempo, ajunta riquezas imortais. Só cuida em tua salvação, ocupa-te só nas coisas de Deus. Granjeia agora amigos, venerando os santos de Deus e imitando suas obras, para que, ao saíres desta vida, te recebam nas eterna moradas” (De imitatione Christi, I, 24,8).
Padre Matthieu Boo d'Arc, sacerdote Legionário de Cristo.