Em vez de tentar esconder a dimensão da tragédia do desmatamento da Amazônia, o governo do Brasil deveria liderar um movimento mundial pela criação do Tribunal Internacional Contra Crimes Ambientais. Para isso, precisa fazer o dever de casa não apenas nas florestas, mas na reorientação do modelo econômico, retomando o papel de Fernando Collor com a ECO-92 e de Lula/Dilma com a Rio+20.
Dentro de poucas décadas, quando o aquecimento global já tiver provocado elevação do nível do mar, desagregando a agricultura, provocando fome e guerras, forçando a migração de milhões de pessoas, a “pedagogia da catástrofe” terá chegado atrasada, como aconteceu com o julgamento dos nazistas depois do Holocausto. Os responsáveis pelos desastres ecológicos devem ser tratados como “geocidas”.
As ações que levam às catástrofes provocadas por mudanças climáticas são crimes contra a humanidade
Diferentemente do Tribunal de Nuremberg, que julgou crimes de genocídio já ocorridos em toda a sua trágica dimensão, os crimes de “geocidas” ainda estão ocorrendo e o julgamento pode impedir a marcha para uma tragédia de proporções planetárias. É criminoso incendiar bens dentro do próprio apartamento, porque, embora os móveis sejam do morador, o imóvel é parte de um condomínio, que exige responsabilidade de todos. O mesmo vale para propriedades que são patrimônio da humanidade. Os incêndios do Museu Nacional e da Catedral de Notre-Dame foram crimes contra a humanidade. No mundo, somos todos vizinhos, e temos obrigação de zelar pelo nosso patrimônio.
A legitimidade de um tribunal internacional para julgar os genocidas só foi possível graças à “pedagogia da catástrofe”, que aprendemos com crimes cometidos pelos nazistas. Ninguém imaginou julgá-los antes para evitar a tragédia, porque a catástrofe só foi constatada depois da morte de 6 milhões de judeus. Depois de Nuremberg, outros foros internacionais foram criados, como em 2002, quando o Tribunal Penal Internacional de Haia condenou à prisão perpétua diversos genocidas, a exemplo do sérvio Radovan Karadžić.
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O julgamento internacional de genocidas é uma das grandes conquistas éticas do século 20. Mas o século 21 requer avanço na definição de crimes ambientais como crimes contra a humanidade. As ações que levam às catástrofes provocadas por mudanças climáticas são crimes contra a humanidade cometidos por assassinos da vida no planeta.
Ainda mais que os genocidas, os “geocidas” ameaçam o equilíbrio ecológico, a sobrevivência das espécies. Os “geocidas” devem ser considerados assassinos não apenas de vidas, mas da Vida. E nós, brasileiros, donos da Amazônia, com ou sem o governo, devemos defender o julgamento de todos os “geocidas” do mundo, presidentes, ministros, empresários, independentemente do seu país.
Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.