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Felipe Lima

Não tenho entusiasmo por Donald Trump. Assusta-me a exacerbação patológica do seu ego. Suas bravatas não preocupam tanto. São marqueteiras e oportunistas. Chuvas de verão. A vida real e os formidáveis freios e contrapesos da democracia norte-americana impedem aventuras muito coloridas: o Legislativo e o Judiciário não permitem que o presidente ultrapasse a fronteira da vida democrática.

Este artigo não está focado em Donald Trump, mas na qualidade da cobertura da imprensa. A vitória do republicano foi uma derrota da mídia. A imprensa, excessivamente engajada, não foi capaz de captar a América profunda. Não fez jornalismo. Fez campanha. O que se viu não foi uma cobertura das eleições presidenciais, mas uma vasta mobilização midiática a favor de Hillary Clinton. Os jornais foram muito além de uma opção editorial transparente e aceitável. Perderam conexão com a realidade. Não foram capazes de decifrar o que, de fato, estava acontecendo. Como disse um amigo, desde as convenções dos partidos ele foi considerado uma piada. Agora, assim como o Brexit, será objeto de teses acadêmicas sobre a incapacidade dos analistas em antever o iceberg. Precisamos, todos, fazer uma autocrítica.

Um abismo separou a chamada “elite intelectual”, formadores de opinião e jornalistas, que são mais cosmopolitas e liberais e torciam pela vitória de Hillary, e o grosso da população que elegeu Trump. “Como esses dois grupos praticamente não convivem, não houve troca entre eles. Muitos jornalistas só conversavam entre si”, diz Philip Seib, professor de Jornalismo e de Relações Internacionais da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles. A revista americana Newsweek chegou a imprimir 125 mil exemplares com Hillary presidente na capa. Esqueceu-se o básico: ouvir as pessoas, sair às ruas, fazer jornalismo.

Militância e jornalismo não combinam

O que preocupa, e muito, é a percepção que se formou a respeito de uma suposta separação entre a imprensa e o mundo real. As redes sociais registram forte rejeição à mídia. E isso é injusto, precipitado e perigoso. Sem jornalismo público, independente e qualificado, o futuro da democracia é incerto e complicado. Ao mesmo tempo, a sobrevivência dos meios tradicionais demanda foco absoluto na qualidade de seu conteúdo. A internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado? Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo para valer, fiel à verdade dos fatos, sem engajamentos ideológicos, apoiado na força de uma opinião equilibrada e qualificada, verdadeiramente fiscalizador dos poderes públicos e com excelência na prestação de serviço, ou seremos descartados por um consumidor cada vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma digital.

Militância e jornalismo não combinam. Trata-se de uma mescla, talvez compreensível e legítima nos anos sombrios de ausência de liberdade de imprensa e de expressão, mas que, agora, em plena democracia, tem a marca do atraso e o vestígio do sectarismo. O militante não sabe que o importante no jornalismo é saber escutar. Foi isso que aconteceu nas eleições americanas. Não se sentiu o pulso do cidadão comum.

Politização da informação, distanciamento da realidade e falta de reportagem. Eis, amigo leitor, o tripé que tisnou a credibilidade da imprensa. A informação foi produzida e processada num laboratório sem vida. Faltou olhar nos olhos das pessoas, captar suas demandas reais. Gostemos ou não delas. A velha e boa reportagem foi substituída por torcida.

Donald Trump ganhou. Nós, jornalistas, perdemos. Impõe-se, creio, o exercício da autocrítica. E o firme propósito de rever nossos processos e retificar nossos eventuais equívocos. É a minha visão das coisas. Respeito, como é lógico, quem pense exatamente o contrário. Jornais de credibilidade oxigenam a democracia.

O jornalismo tropeça em armadilhas. Nossa profissão enfrenta desafios, riscos e dificuldades sem fim. E é aí que mora o fascínio.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.
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