Na acepção Romana, o Direito significa a arte (ciência) do bom senso e do justo. O Direito é uma ciência social, dotado de normas coercitivas que regulam a conduta humana. Por não ser uma ciência exata, permite interpretações variadas, contudo, imprescindível que sejam vinculadas e submetidas à legislação posta, notadamente às normas e princípios constitucionais. O TSE não está inume a essa regra básica.
No ano passado, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, por decisão majoritária, que o direito ao esquecimento seria incompatível com a Constituição Federal. O Tribunal, por maioria dos votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 1010606, com repercussão geral reconhecida, em que familiares da vítima de um crime de grande repercussão nos anos 1950 no Rio de Janeiro buscavam reparação pela reconstituição do caso, em 2004, no programa Linha Direta, da TV Globo, sem a sua autorização.
O cidadão e o eleitor têm o direito de saber ou rever os escândalos de corrupção havidos nos governos anteriores dos candidatos e dos seus partidos.
Naquela ocasião, o ministro Marco Aurélio, assim se manifestou: “Não cabe passar a borracha e partir para um verdadeiro obscurantismo e um retrocesso em termos de ares democráticos”.
Ao votar pelo desprovimento do Recurso Extraordinário, a ministra Cármen Lúcia defendeu que não há como extrair do sistema jurídico brasileiro, de forma genérica e plena, o esquecimento como direito fundamental limitador da liberdade de expressão “e, portanto, como forma de coatar outros direitos à memória coletiva”. A magistrada fez referência ao direito à verdade histórica no âmbito do princípio da solidariedade intergeracional e considerou que não é possível, do ponto de vista jurídico, que uma geração negue à próxima o direito de saber a sua história. Acastelando sua convicção, expressou: “Quem vai saber da escravidão, da violência contra mulher, contra índios, contra gays, senão pelo relato e pela exibição de exemplos específicos para comprovar a existência da agressão, da tortura e do feminicídio?”.
Do julgamento do referido recurso, em repercussão geral, a corte firmou a tese de que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social. Sobre eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação, a corte definiu que devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.
Apesar de pessoalmente ter críticas ao referido posicionamento em relação ao princípio da dignidade humana quando se trata de fatos que dizem respeito às pessoas comuns, que não exercem atividades públicas, não se pode olvidar que aquele foi o entendimento da Suprema Corte.
Esse entendimento já firmado pelo STF precisa ser lembrado em razão da recente decisão do Superior Tribunal Eleitoral, que determinou, no dia 13 de outubro, que a Brasil Paralelo, empresa que produz documentários e promove cursos na internet, remova de suas mídias sociais, em especial do Twitter, um vídeo que apresentava várias reportagens e capas de revistas durante o governo do ex-presidente Lula, demonstrando os diversos e amontoados escândalos de corrupção, como o mensalão, a máfia dos sanguessugas, entre outros.
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Pelos trechos divulgados da decisão do STF, percebe-se uma total incoerência com o precedente da Suprema Corte, firmado em regime de repercussão geral.
O cidadão e o eleitor têm o direito de saber ou rever os escândalos de corrupção havidos nos governos anteriores dos candidatos e dos seus partidos. Logicamente, negar a existência ou a publicação de reportagens que veicularam, por exemplo, informações atinentes ao mensalão e que este esquema de corrupção foi realizado durante o governo do ex-presidente Lula, resultando em condenações criminais dos principais atores daquele governo, tais como José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil), José Genuíno (ex-presidente do PT), Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT), entre outros, é permitir, por vias transversas, o direito ao esquecimento de fatos e pessoas públicas, em verdadeiro cerceamento da liberdade de expressão e de imprensa. Mas é isso que o TSE, com sua decisão, acaba por fazer. Por óbvio, não se pode dizer que o ex-presidente fora condenado, sequer acusado, todavia, é inegável que o escândalo ocorrera no período em que ele presidia o país.
Vale destacar que vários eleitores de hoje eram crianças naquela época e têm o direito de saber o que ocorrera no governo anterior de um dos candidatos. A informação é pressuposto da democracia.
Com devido respeito, o TSE não pode fazer o papel de censor da imprensa, principalmente quando retrata notícias reais, de fato público e notório, sob pena de dar ares de parcialidade em seus julgamentos – o que não creio ser o caso –, inaugurando um novo direito ao esquecimento e cerceando a liberdade de expressão.
Bady Curi Neto é advogado, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e professor universitário.
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