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“A Ucrânia há muito é vista como um parceiro político importante, porém complicado, da União Europeia”.
“A Ucrânia há muito é vista como um parceiro político importante, porém complicado, da União Europeia”.| Foto: Max Kukurudziak/Reprodução/Unsplash

Se no século 20 a Polônia foi considerada um Estado pivotal na história mundial, seja pela sua invasão por parte da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, ou por causa da Revolução Trabalhista, hoje a nação europeia que se apresenta como pivotal, cujo destino está intimamente ligado às relações do Ocidente com o Oriente, é a Ucrânia.

A inteligência dos EUA descobriu que o Kremlin está planejando uma ofensiva em várias frentes já no início do próximo ano, envolvendo até 175 mil soldados, de acordo com autoridades americanas e um documento de inteligência obtido pelo jornal The Washington Post. Trata-se do sinal mais significativo de uma possível invasão após a anexação da região da Crimeia.

Tanto a Rússia quanto a Ucrânia reivindicam sua herança da Antiga Rus, um governo que no século 10.º uniu várias tribos e clãs de diferentes etnias sob a Igreja Bizantina. De acordo com as crônicas da Rússia antiga, Kiev, a moderna capital da Ucrânia, foi proclamada a “mãe das cidades Rus” por ter sido a capital do poderoso Estado medieval de Rus, um predecessor das nações russas e ucranianas de hoje. A discussão sobre até que ponto russos e ucranianos compartilham uma origem comum pode gerar discussões acaloradas. O Império Russo considerava os ucranianos etnicamente russos e se referia a eles como “Pequenos Russos”, e este é provavelmente o início de todos os problemas e a base para conquistas e disputas na região.

A Ucrânia há muito é vista como um parceiro político importante, porém complicado, da União Europeia. De acordo com analistas, isso se deve a fatores como a falta de vontade da UE em se expandir para o espaço pós-soviético, o fraco desempenho da economia ucraniana, a falta de democracia (durante a década de 1990) e a instabilidade interna. Além disso, alguns especialistas percebem a importância do fator russo nas relações UE-Ucrânia.

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O desejo da Ucrânia de aderir à União Europeia remonta a 1993, quando o governo declarou que a integração à UE era o principal objetivo da política externa. Na realidade, pouco foi feito, pois Kiev teve de levar em consideração a Rússia, que continuou sendo sua principal parceira comercial e fornecedora de gás natural e energia fóssil. A Rússia odeia a ideia da Ucrânia na UE por dois motivos: primeiro, isso significaria forças alemãs, britânicas, americanas e da Otan em suas fronteiras; segundo, porque a influência da Rússia sobre a Ucrânia seria consideravelmente diminuída.

O diálogo político entre a UE e a Ucrânia teve início em 1994, quando foi assinado o Acordo de Parceria e Cooperação (APC). Esse documento se concentrou em questões econômicas e sociais, bem como na necessidade de realizar reformas na administração pública e garantir a liberdade de imprensa e os direitos civis. Nas negociações mais próximas, Putin exigiu que os Estados Unidos e seus aliados fornecessem garantias por escrito excluindo qualquer expansão da Otan para incluir a Ucrânia e a Geórgia e limitando a atividade militar perto das fronteiras da Rússia, principalmente dentro e ao redor da Ucrânia.

As exigências por um novo pacto de segurança europeu vieram depois que Putin passou a afirmar, por meses, que as atividades militares dos EUA e aliados na Ucrânia e perto das fronteiras da Rússia estão cruzando a “linha vermelha” para o Kremlin. O presidente russo há muito vem protestando contra a expansão da Otan nos antigos Estados do Pacto de Varsóvia como uma usurpação desrespeitosa de Moscou. Ele afirmou que um acordo concreto deve “descartar qualquer expansão adicional da Otan para o leste e a implantação de sistemas de armas que representam uma ameaça para nós nas proximidades do território da Rússia”.

Se essa movimentação das tropas russas é apenas um blefe ou se estamos a assistir a uma possível invasão é algo que apenas a diplomacia e a geopolítica poderão explicar; entretanto, a Ucrânia de fato já se tornou o Estado pivotal na relação da Rússia com o Ocidente. Se nos depararmos com uma invasão da Ucrânia, já sabemos que a Otan deverá reagir conjuntamente tanto com sanções quanto com ações militares. O questionamento é: onde estará a China neste conflito, dada a sua maior proximidade com os russos? E como esse desdobramento afetará as relações com o Japão? A complexidade de relações de recursos naturais, rotas comerciais, ameaças democráticas e expansões territoriais são tão expressivas que não se sabe quais as consequências reais de uma invasão dessa monta.

Estamos mais próximos de uma nova Guerra Fria ou de um conflito intercontinental, algo que seria considerado impensável devido a todas as ramificações e interligações entre as economias, principalmente a russa. Contudo, é fato que a exclusão da Rússia dos debates internacionais é algo que vem agravando ainda mais a instabilidade global.

Igor Macedo de Lucena é economista e empresário, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa, membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política.

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