O caminho para uma sociedade mais justa e igualitária estaria solidamente pavimentado se declarações de boas-intenções e propósitos elevados implicassem em efetiva mudança da nossa realidade.
Constatada indecência da carga tributária do país situada em 38% do PIB, os dois candidatos à Presidência da República declaram que vão reduzir os tributos. O deplorável é que não verbalizam como isso vai ocorrer. O processo que está instalado, e vem funcionando com implacável eficácia, é o de permanente elevação do peso dos tributos, dando-se incrível versatilidade às contribuições, que vão invadindo os campos tradicionalmente atribuídos aos impostos, aproveitando-se de alguns fatores: a exclusividade da sua arrecadação em favor da União; estarem camufladas nos preços das mercadorias e serviços, não sendo vistas e dimensionadas pelo povo; a complacência do Supremo Tribunal Federal possibilitando que elas se expandam, invadindo as áreas bem determinadas pela Constituição para os impostos, sem que houvesse igual precisão para as contribuições.
E os padecentes tributários vão sendo tratados como cordeiros. A tosquia dos impostos e contribuições tem sido tão inclemente para o povo, que não se retira apenas a lã, mas se fere a carne, chegando a vulnerar a estrutura óssea.
No plano da realidade, o que tem ocorrido é uma violenta manipulação normativa, enfrentando despudoradamente a Constituição. Quando a situação fica insustentável em relação a algum setor, adotam-se providências cosméticas para se poder proclamar que tais áreas foram beneficiadas com um alívio tributário. Tentativa de aparentar o bem.
A diretriz implacável é a de arrecadar. Não dos dotados de maior poder econômico, os ricos deste país, nem das poderosas empresas, mas do povão, classe trabalhadora e classe média, e no plano empresarial da média empresa, a que é genuinamente brasileira, e que emprega, em verdade, os milhões de trabalhadores do país.
Predomina o oportunismo, a cupidez arrecadatória e a subserviência aos poderosos, no âmbito da política e da administração tributária.
Adotou-se como base preferencial de tributação a mais ampla nos seus efeitos e concentrada na captação. E deu-se-lhe uma denominação batismal original faturamento. Foi-se criativo na rotulagem, mas espoliativo no conteúdo. Tributa-se a receita bruta das empresas. A operação de todas unidades produtivas, seja na venda de mercadorias ou na prestação de serviços, resulta na obtenção de receita bruta. Ela foi eleita como submetida à incidência da contribuição sobre o faturamento Cofins e a contribuição para o Programa de Integração Social PIS. Embora cobradas concentradamente na fase empresarial indústria, importação, comércio, prestação de serviços, produção rural , incorporam-se ao preço desses bens, e terminam sendo suportados pelo consumidor final, o infeliz padecente tributário, o povo brasileiro.
A questão é de que a venda de mercadorias e a prestação de serviços de comunicações e transportes já estão oneradas, pelo ICMS dos estados, e a prestação de serviços em geral, pelo ISS, dos municípios. A produção está submetida à tributação exagerada sobre a mesma base econômica, onerando, pela transferência da carga tributária, o consumidor final, o povo do país. E na produção estimula-se a evasão, para possibilitar a sobrevivência da empresa na competição no mercado. Tem-se o pior dos mundos: sacrifício de quem paga os tributos corretamente, estímulo à evasão, e impossibilidade de uma razoável administração tributária. É ultrajante.
Osíris de Azevedo Lopes Filho é advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília UnB e ex-secretário da Receita Federal.
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