Nazismo, genocídio e Holocausto. Esses são alguns termos que marcam um período sombrio de nossa história e que têm sido cada vez mais integrados ao vocabulário de muitos brasileiros e, inclusive, fomentado argumentos em discussões políticas num país que vive às vésperas de uma das mais polarizadas eleições presidenciais. O Relatório de Eventos Antissemitas e Correlatos no Brasil, do Observatório Judaico dos Direitos Humanos, aponta crescimento preocupante de episódios antissemitas e neonazistas no Brasil entre 2019 e 2022.
Bem alicerçada na democracia, a sociedade, que é plural, deve se sentir livre para expressar suas diversas posições políticas e seus múltiplos princípios. Contudo, desde que estes não ameacem os direitos humanos. Nesse contexto, é fundamental compreender e saber diferenciar citações e relações ao nazismo e ao Holocausto que estão sendo feitas, de modo que possam soar como sinal de alerta, como essencial e permanente preservação da memória, sem que eles sejam perigosamente banalizados.
A educação sobre o nazismo e sobre o Holocausto, bem como suas comparações, desde que feitas de maneira real e fundamentada, são fundamentais para que as atrocidades do passado sejam encaradas e jamais se repitam.
É fundamental combater a retórica dissimulada que se vale do princípio legítimo da "liberdade de expressão" para permitir a proliferação do discurso de ódio, seja contra os judeus ou contra qualquer outra minoria étnica ou racial marginalizada na sociedade. Exatamente por essa razão, comparações que envolvem o Holocausto sem a devida fundamentação são prejudiciais ao respeito à diversidade étnica, ao combate ao antissemitismo e ao antirracismo.
Aqui, também é essencial compreender que não se fala em sacralizar o Holocausto, o que seria um equívoco. É preciso desmistificar a ideia de que este foi um fenômeno histórico intocável. Mantê-lo estritamente como parte do passado é uma ação perigosa. Como destaca em seu último livro Mais Forte, a escritora e fundadora do Instituto Identidades do Brasil, Luana Génot, “o passado deve ser um lugar de referência, não de permanência”. Afinal, mesmo que situações do presente não sejam iguais, o passado serve justamente como alerta para o futuro.
Tratá-lo como um fenômeno que afetou exclusivamente judeus é outro grave erro. O regime nazista perseguiu e assassinou pessoas de outras minorias étnicas e também homossexuais. A memória do Holocausto, assim, é diversa e serve de aprendizado para todos.
Nessa tênue linha existente entre a liberdade de expressão e a disseminação da desinformação, outro contrassenso presente é a comparação do regime nazista com o regime comunista que, apesar de ter havido crimes por quem não compactuava com o modelo econômico, em nada pode ser correlacionado com uma ideologia de extrema-direita que teve como pilar a eugenia.
Vivemos um tempo em que a palavra ganha ainda mais poder diante da imensa velocidade com que se dissemina por meio das inúmeras possibilidades e ferramentas de comunicação. O autor israelense, Micah Goodman, nos alerta a sermos curiosos antes de julgar. Particularmente, em um Brasil polarizado, em pleno fervor de seu processo eleitoral, as (des)informações circulam tanto mais velozes e vorazes. Diante desse cenário, é essencial estarmos atentos às comparações infundadas ou à banalização da memória do Holocausto.
Por outro lado, reforça-se, isso não significa deixá-lo intocável. Mais uma vez, o debate sobre os valores éticos e os direitos humanos é permeado pelas lutas contra o antissemitismo e também pelas políticas antirracistas. Lembrar do Holocausto ajuda a alertar para que outros episódios de autoritarismo e desumanização não sejam normalizados. A educação sobre o nazismo e sobre o Holocausto, bem como suas comparações, desde que feitas de maneira real e fundamentada, são fundamentais para que as atrocidades do passado sejam encaradas e jamais se repitam.
David Diesendruck é presidente do Instituto Brasil-Israel.