Só existe na língua portuguesa uma palavra apropriada para descrever o que está acontecendo com a aviação brasileira: deboche. Há muita gente fazendo a todos de imbecis, de idiotas, de néscios e ignorantes, a começar pelas autoridades que controlam o espaço aéreo, a aviação civil e os aeroportos. Das duas uma: ou ainda não sabem o que está acontecendo quase um mês após a instalação do caos ou, pior ainda, sabem mas não sabem como resolvê-lo. Só há uma solução: já que não ocorreu ao ministro Waldir Pires, nem ao comandante da Aeronáutica, nem ao presidente da Agência Nacional de Aviação Civil nem ao presidente da Infraero demitir-se como purgação voluntária pelo vexame que estão patrocinando, o presidente Lula deveria demiti-los sumariamente; não porque tenham culpa direta e sim para demonstrar que, se eles não sabem tratar do assunto, é preciso afastá-los e dar lugar a quem saiba.

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Mas onde está a autoridade para demiti-los? O presidente da República, que é o superior hierárquico de todos eles, não tem tempo, envolvido com graves negociações para a montagem de um governo de "coalizão nacional" que crie condições para "garantir o crescimento" do país. Para isso, aliás, tem contado com o auxílio patriótico de algumas figuras exponenciais da modernidade política como Orestes Quercia, Jader Barbalho, Renan Calheiros e José Sarney. Enquanto isso, os "líderes" políticos fazem aquele ar grave de pais da pátria, preocupados em manter a "governabilidade" e desinteressados de cargos, prebendas e favores governamentais. Quando se observa a sofreguidão mal disfarçada das lideranças partidárias para se aproximar do governo a todo custo, logo vêm a mente os versos de Mário Quintana: "Senhora, vos amo tanto que até por seu marido me dá um certo quebranto..." . E enquanto isso, o presidente e seus alegres convivas são aliviados dos incômodos dos pobres mortais e cruzam os ares no único avião que não atrasa no Brasil de hoje, o Aerolula.

Como sempre, sucedem-se os jogos de capa e cartola para mistificar o público: o ministro da Defesa coitado que, ao que se saiba, nunca entendeu de aviação, faz o papel deplorável de boneco de ventríloquo, servindo-se ao papel de dar entrevistas sobre um assunto que não conhece e acaba por brindar os repórteres com tiradas dignas do Conselheiro Acácio como a recomendação de que o melhor que os passageiros têm a fazer é não viajar, ficar em casa e esperar a crise passar. Melhor que isso só a máxima cunhada pela Adriana, minha filha, conversando com o avô em tom professoral: "Pois é vô, é como eu sempre digo, o pior da viagem é a própria viagem!". Só que Adriana tinha oito aninhos de vida quando disse isso e o ministro está beirando os oitenta.

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A Anac agora afirma que o problema é que o controle dos céus é feito por militares (como aliás sempre foi sem nenhum problema) e acredita que a solução é criar uma carreira civil de controladores de vôo. Mas, que mal pergunte: a solução para tudo estará em fazer um prosaico plano de classificação de cargos? Então está fácil... Enquanto isso, a Infraero despeja (sim, despeja) centenas de passageiros nas salas de espera superlotadas e proíbe a presença da imprensa. Assim não fica registrado o espetáculo deprimente de pessoas deitadas no chão durante horas intermináveis, à espera de que alguém se digne a lhes dar alguma informação. As empresas aéreas dominantes, a TAM e a Gol, encantadas com o duopólio irresponsável em que se transformou a aviação brasileira não se dão ao trabalho de tratar os passageiros com um mínimo de respeito. Pra quê? Afinal eles não têm alternativa... Na era das comunicações instantâneas, deixar passageiros nove horas esperando em claro um avião que não chega como aconteceu há dias em Curitiba com a Gol sem dar uma informação confiável ou uma satisfação é um acinte. E a TAM não faz melhor. Já escrevi aqui mesmo e vou repetir: essas empresas estão agindo com uma miopia assustadora tratando o mercado dessa forma. Mais dia menos dia, alguém despertará para o anacronismo que é tratar a aviação civil como força reserva da aviação militar e acabará com a reserva de mercado que isso implica. Quando isso acontecer, os céus brasileiros se abrirão à competição das atuais duopolistas com as companhias estrangeiras para alívio dos sofridos candidatos a passageiro que terão uma alternativa. De minha parte, nada tenho contra voar para São Paulo pela Lufthansa ou para Recife pela Air France e ser perguntado com sotaque alemão ou francês: "Aceita uma barra de cereais?"

P.S. Antes que me esqueça: querer responsabilizar a Universidade Federal e o reitor pelo vendaval de domingo que cortou a luz e prejudicou o vestibular é um despropósito. É justo que os meninos e seus pais estejam com os nervos à flor da pele mas, graças a Deus, ninguém morreu, ao contrário do pobre empresário cujo carro foi atingido por uma árvore em queda na véspera. Essa sim foi uma tragédia. A da falta de luz e do cancelamento da prova foi um incômodo, uma perturbação, mas só isso. Vamos respeitar a proporcionalidade dos fatos.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE Business.