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Proibido de pisar em 32 países, o autocrata Nicholas Maduro foi recebido no Brasil com muito prestígio, recebendo total endosso do atual governo, que busca normalizar as relações diplomáticas entre Brasília e Caracas sustadas na gestão anterior. Isso em si não é uma questão tão grave. Os interesses nacionais tornam a política externa o reino absoluto da “arte do possível”.
O problema maior não reside em comercializar com a Venezuela, pois, seguindo a lógica do pragmatismo e da razão de Estado, as nações vendem e compram umas das outras sem levar em consideração o tipo de regime vigente no plano doméstico umas das outras. A grande questão é receber o ditador venezuelano com honras de chefe de Estado, com toda pompa e circunstância, em uma agenda bilateral especial antecipada, e à parte dos demais líderes sul-americanos, com o propósito de firmar acordos não explicitados e demonstrar apoio e solidariedade a um déspota, cuja imagem negativa no cenário internacional causa grande dano ao prestígio diplomático brasileiro, importante ativo da Casa de Rio Branco.
O Brasil acabará como mero "sugar daddy" dessa miss Venezuela autoritária e famélica, que é o regime bolivariano.
Receber Maduro antes mesmo dos parceiros mercosulinos e das demais democracias do continente, declarar que deseja dar a ele, o ditador, que arruinou a economia do país com as maiores reservas petrolíferas do planeta, “a chance de colocar sua própria narrativa para que os brasileiros possam mudar de opinião sobre a Venezuela" nada tem de pragmático e nem de estratégico. Trata-se, essencialmente, de uma decisão guiada por alinhamento ideológico. Algo, por definição, lesivo aos interesses da PEB (política externa brasileira), cujo alfa e o ômega; e a grande linha diretiva é o comércio exterior.
Diferentemente da China, arquétipo da tirania totalitária, porém, pujante em termos econômicos, capaz de aportar muitos investimentos e que, desde 2009, corresponde ao maior destino de exportações brasileiras, a violenta, falida e ditatorial Venezuela sob as circunstâncias atuais, nada, ou muito pouco tem a oferecer ao Brasil em termos de relações comerciais. Ora, estamos falando de um país cuja pauta de exportações é composta em 85% de petróleo e derivados, e o restante de bens agrícolas e outras commodities, as quais o Brasil possui em abundância e não necessita, com a exceção talvez do arroz.
O alinhamento e a simpatia com países autocráticos, colapsados, ou sem mercado relevante e de péssima imagem no exterior como Venezuela, Cuba e Nicarágua, não só não ajuda o Brasil em nada significativo do ponto de vista das importações e exportações, como ainda traz um empecilho enorme, desnecessário e evitável. Esse empecilho é comprometer as relações do Brasil com os Estados Unidos e a Europa Ocidental, históricos parceiros comerciais políticos e de cooperação temática setorial em diversos regimes internacionais dos quais o Brasil é signatário e ativo membro em iniciativas multilaterais.
O Brasil é superavitário na sua balança comercial com a ditadura vizinha. Caracas precisa muito mais do Brasil do que Pindorama precisa do país vizinho. Essa deferência para com o ditador chavista só se pode explicar por simpatia ideológica. A balança comercial entre Brasil e Venezuela tem sido enormemente favorável ao Brasil. Dados do governo federal mostram que entre 2003 e 2022, o saldo da balança comercial entre os dois países foi de US$ 32,19 bilhões de superávit. Todavia, graças a crise inflacionária doméstica do país de Chavez e Maduro, o fluxo comercial entre Brasil e Venezuela caiu 88% nos últimos cinco anos.
A Venezuela enfrenta dificuldades para atender às suas demandas internas mais básicas devido à crise sistêmica e à falta de capacidade de produção em diversos setores da economia. Essa situação afeta gravemente a capacidade do país de importar bens e serviços, incluindo aqueles oferecidos pelo Brasil. Então, que pragmatismo é esse que os relativizadores da tirania bolivariana mencionam?! Se a Venezuela não só não produz o que mais precisamos, como também não tem capacidade de exportar capital e mal consegue manter a compra dos bens que o Brasil lhe vende, o que explica o líder de um país autoritário e devedor receber tratamento especial por parte do governo brasileiro, chegando um dia antes dos outros representantes da região e tendo uma agenda inteira só para ele antes da realização da cúpula sul-americana?
Só se pode deduzir que Maduro veio ao Brasil para buscar um pacote de ajuda econômica a ser custeado pelo dinheiro dos pagadores de impostos brasileiros, o qual se juntará ao montante que a Venezuela tomou anteriormente emprestado e, em seguida, decretou moratória. Diante da crise inflacionária, sanções internacionais e até uma recompensa de U$ 15 milhões oferecida pelos EUA pela sua cabeça e da inadimplência venezuelana, a realidade objetiva indomável nos confronta: o ditador bolivariano, Maduro, ao que tudo indica, busca ajuda econômica no Brasil, lançando mais uma vez nas costas dos contribuintes brasileiros o fardo de pagar pelos erros alheios.
O Brasil, novamente sob Lula, parece querer se tornar um “paymaster” da integração sul-americana. Mas, dessa forma acabará como mero "sugar daddy" dessa miss Venezuela autoritária e famélica, que é o regime bolivariano.
Elton Gomes dos Reis é doutor em Ciência Política, professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e senior fellow do Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia (IPERID).