Nos Estados Unidos, o financiamento cultural é diverso e descentralizado, com uma expressiva contribuição do setor privado, incluindo doações, patrocínios e iniciativas de mecenato corporativo. Em contraste, o modelo brasileiro apoia-se predominantemente em um sistema centralizado, com destaque para incentivos fiscais, como a Lei Rouanet, e para políticas de distribuição pública de recursos, marcadas pela adoção da Lei Aldir Blanc e da Lei Paulo Gustavo, iniciadas no período pandêmico.
Este artigo explora a estrutura básica das políticas culturais americanas e seus mecanismos de incentivo fiscal, seu contraponto brasileiro e destaca o inovador modelo de financiamento adotado pelo estado de Minnesota. Cabe destacar que o financiamento cultural nos Estados Unidos se baseia em três principais fontes: subsídios federais e estaduais; patrocínios privados; e doações dedutíveis do imposto de renda. Essa estrutura permite uma flexibilidade para os doadores privados, enquanto oferece apoio do setor público por meio de programas específicos.
O modelo de financiamento cultural dos EUA reflete uma combinação de liberalismo econômico e pragmatismo fiscal, onde o papel do governo é de apoio indireto, incentivando doações privadas e oferecendo subsídios limitados
No nível federal, o NationalEndowment for theArts (NEA) e o NationalEndowment for theHumanities (NEH) são as principais agências responsáveis pelo apoio financeiro a projetos culturais e artísticos. Ambas fornecem subsídios para instituições sem fins lucrativos, universidades, bibliotecas, escritores e tradutores individuais, dentre outros agentes culturais em todo o país. No entanto, diferentemente da Lei Rouanet no Brasil, esses fundos são limitados e concorridos, tendo o governo federal dos EUA uma participação relativamente menor no total dos investimentos culturais.
Nos estados, os conselhos estaduais de arte administram fundos locais e, em alguns casos, ampliam os recursos disponibilizados por meio de impostos ou emendas constitucionais. Minnesota, como veremos, se destaca ao adotar um modelo híbrido que combina uma tributação estadual específica e incentivos à doação privada.
Uma característica fundamental do sistema americano é o incentivo à doação privada por meio da dedução do imposto de renda. A legislação tributária permite que indivíduos e empresas deduzam de sua base tributável as doações feitas a organizações sem fins lucrativos. Esse mecanismo é flexível, pois os doadores escolhem diretamente quais organizações ou projetos apoiar, sem a necessidade de aprovação direta do governo para cada projeto, como ocorre na Lei Rouanet no Brasil.
Essa liberdade de escolha faz com que o sistema seja menos burocrático e mais direto para o setor privado. No entanto, o governo tem menor controle sobre o destino dos recursos culturais, e o financiamento tende a se concentrar em regiões e projetos que conseguem atrair mais atenção e apoio do setor privado, como grandes centros urbanos e iniciativas de maior visibilidade, um ponto fraco notadamente sentido também pela Lei brasileira.
Em ambos os casos, cabe ao poder público prevenir fraudes. No modelo brasileiro com uma análise prévia dos proponentes e projetos, chegando ao ponto de definir até o valor máximo que os agentes culturais poderão tentar captar com o setor privado. Enquanto que no modelo americano, é realizada uma rigorosa combinação de regulamentação, monitoramento detalhado e auditorias que garantem a veracidade e seriedade dos projetos apoiados.
Minnesota se destaca por adotar um modelo inovador de financiamento cultural. Em 2008, o estado aprovou a LegacyAmendment, uma emenda constitucional estadual que destinou uma fração adicional do imposto sobre vendas (3/8 de 1%) para financiar projetos ambientais, históricos e culturais. Essa medida criou o Artsand Cultural Heritage Fund (ACHF), um fundo dedicado ao apoio contínuo e de longo prazo para iniciativas culturais e artísticas.
A ACHF é um exemplo singular dentro do contexto americano, pois não depende exclusivamente de doações privadas ou de recursos federais, mas conta com um imposto estadual dedicado. Esse fundo é administrado pelo Minnesota StateArts Board e por conselhos regionais de arte, que distribuem recursos para artistas, organizações culturais e instituições locais em todo o estado. O modelo de Minnesota permitiu que o estado se tornasse um dos entes americanos mais comprometidos com o financiamento da cultura, proporcionando um financiamento significativo e consistente ao longo dos anos.
Minnesota colheu resultados significativos com a política cultural implementada pela LegacyAmendment e o Artsand Cultural Heritage Fund (ACHF), ao garantir um fluxo contínuo e sustentável de recursos para a cultura. Essa abordagem permitiu a distribuição equitativa de financiamentos, beneficiando tanto grandes instituições quanto pequenos projetos em comunidades rurais e urbanas, promovendo a inclusão cultural e fortalecendo as economias locais. Além disso, a política possibilitou um apoio diversificado a iniciativas de minorias e de grupos sub-representados, enquanto o monitoramento regular do impacto dos projetos assegura a eficiência e a adaptação contínua do fundo às necessidades da sociedade. Esses fatores consolidaram Minnesota como um modelo de políticas culturais inovadoras e sustentáveis nos Estados Unidos.
No contexto brasileiro existe uma iniciativa parecida conhecida como Programa de Ação Cultural (ProAC). Criada em 2006, esta política de incentivo cultural do governo do Estado de São Paulo incentiva a produção cultural por meio de duas frentes principais: o ProAC Editais e o ProAC ICMS. No ProAC Editais, recursos do próprio Estado são distribuídos a projetos culturais selecionados em diferentes áreas, como teatro, música, dança, literatura e artes visuais, via editais públicos. Já o ProAC ICMS permite que empresas destinem parte do valor do ICMS devido para o patrocínio de projetos culturais aprovados pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, incentivando o setor privado a apoiar a cultura local e democratizando o acesso aos recursos culturais no estado.
A Lei Rouanet no Brasil permite que empresas e pessoas físicas invistam diretamente em projetos culturais aprovados pelo governo federal, com direito a dedução do imposto de renda até um certo limite. Esse mecanismo é estruturado para que os incentivos fiscais do governo sejam direcionados de forma mais controlada e coordenada, já que cada projeto passa por uma aprovação do Ministério da Cultura. Esse controle cria um sistema no qual o governo pode monitorar e orientar os investimentos culturais para projetos que atendam a critérios específicos de interesse público.
Nos EUA, o sistema é mais descentralizado e depende do interesse do doador para selecionar as causas e os projetos a serem apoiados, o que pode resultar em uma menor distribuição de recursos para projetos ou regiões menos favorecidas economicamente. Por outro lado, essa flexibilidade reduz a burocracia e permite uma resposta mais rápida do setor privado ao financiamento da cultura.
Iniciativas como o ACHF de Minessota e o ProAC paulista mantém nas mãos do governo a chancela à projetos, proponentes e beneficiados. A criação de Conselhos de Cultura, nos quais estão integrados participantes da sociedade civil garantem diferentes pensamentos e vozes e tentam não monopolizar o poder de decisão.
O modelo de financiamento cultural dos EUA reflete uma combinação de liberalismo econômico e pragmatismo fiscal, onde o papel do governo é de apoio indireto, incentivando doações privadas e oferecendo subsídios limitados por meio de agências como o NEA e o NEH. O exemplo de Minnesota demonstra que os estados podem, dentro de um sistema federalista, inovar e criar fontes de financiamento adicionais, tornando-se menos dependentes do setor privado.
Essa estrutura, embora eficiente em alguns aspectos, enfrenta desafios, principalmente em relação ao alcance e à equidade da distribuição de recursos culturais. Projetos em regiões economicamente menos desenvolvidas ou voltados a minorias culturais podem não receber a mesma atenção do setor privado. O caso de Minnesota, porém, demonstra que é possível criar soluções híbridas que combinam imposto sobre vendas, incentivos fiscais e gestão regional para um financiamento cultural mais robusto e inclusivo.
O modelo de Minnesota oferece uma perspectiva interessante sobre como os governos locais podem complementar políticas culturais federais, diversificando fontes de financiamento e incentivando diferentes fontes de recurso, além de democratizar a vontade popular.
Embora iniciativas estaduais como o ProAc de São Paulo se assemelhem muito com o modelo de Minnesota, a falta de um contraponto de viés mais voltado à autodeterminação dos cidadãos e empresas acaba por tornar a lei paulista apenas uma complementação de recursos. Falta diversidade. Toda a escolha de beneficiados pelas leis de incentivo brasileiras está nas mãos do governo em seus diferentes níveis de gestão, suscetíveis à esfera de influência político-ideológica de quem esteja no poder.
Observa-se que o desenvolvimento e a gestão eficiente de um modelo híbrido de captação e transferência de recursos se mostram o caminho mais promissor para garantir a verdadeira diversificação cultural. Dar a oportunidade de pessoas e empresas apoiarem entidades e projetos que estão alinhados às suas culturas e vivências sem a sombra do veto estatal pode ser a peça do quebra-cabeça que falta à legislação brasileira, enquanto exemplos de sucesso como o de Minnesota, mostram aos demais entes federativos dos Estados Unidos que a descentralização de recursos, gerida por conselhos culturais capacitados, minimizam a indesejada superconcentração de beneficiados e a estagnação de artes e linguagens.
Tanderson Schmitt Morales, especialista em Propriedade Intelectual e parecerista de Projetos Culturais pela Secretaria de Cultura do Paraná, é coordenador jurídico da Câmara Brasileira do Livro e presidente da Comissão de Direitos Autorais da OAB/SP.
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