O Brasil continua a surpreender e a demonstrar que resiste a interpretações apressadas. Pois não é de ver que em um só ano alcancamos feitos memoráveis na área internacional? Chegamos a quase 120 bilhões de dólares de exportações, mais do que dobrando o total em menos de cinco anos; acumulamos um superávit maior do que toda a exportação brasileira de sete anos atrás e entramos no rol dos países exportadores de categoria média-superior. De quebra, paramos de ouvir a tolice de que, exportando, o país está mandando suas riquezas para os gringos. O velho Roberto Campos, cuja inteligência estava permanentemente um ano-luz à frente de seu tempo, já ensinava para ouvidos pouco atentos que riqueza debaixo da terra é apenas recurso, não é riqueza!
Também estamos com nossas contas externas zeradas e pagamos ao FMI tudo o que devíamos antes da hora. Essas duas conquistas servem para desmistificar várias teorias. Passamos décadas em busca de um equilíbrio entre o "câmbio favorável à exportação" e que ao mesmo tempo não fosse inflacionário; descobrimos que esse tipo de câmbio existe só que não depende dos sábios governamentais e sim do mercado. Cansamos de ouvir que "com o dólar abaixo de R$ 3,30, a exportação despenca", "abaixo de R$ 3,00, a exportação ", "a menos de R$ 2,50, a exportação (bocejo) " "a menos de (cansaço)". Que aprendemos com isso? Primeiro que a economia brasileira é muito mais complicada do que parece à primeira vista e que as relações entre comércio, planejamento tributário e finanças são extremamente sofisticadas nesta era de globalização. Por exemplo, uma multinacional pode estar triste com um valor tão baixo em reais para suas exportações, mas pode estar eufórica porque seus lucros repatriáveis cresceram colossalmente em dólar, euro ou iene quando a cotação dessas moedas em relação ao real caiu. (Lucros no estrangeiro são taxados de maneira muito benevolente nos países ricos e às vezes nem são tributados). Grandes empresas brasileiras podem estar vociferando contra a perda de competitividade externa mas se regozijam quando trazem dinheiro de fora, aplicam a 18% ao ano e vêem seus rendimentos acrescidos pela valorização cambial do real. Ou seja, em vez dos 18% serem corroídos pela inflação, eles são acrescidos pelo valor correspondente à queda do dólar. Mas a lição mais importante é de natureza cultural e é transmitida por profissionais do comércio como Roberto Rodrigues e Luiz Fernando Furlan: bons resultados e competitividade externa dependem fundamentalmente da capacidade de empreendedores, técnicos e operários brasileiros muito mais do que do assembleísmo diplomático de Celso Amorim e de Marco Aurélio Garcia.
Pagar ao FMI faz com que nos livremos de uma velha e consolidada reputação de sermos muito ágeis na hora de celebrar os contratos e bastante relutantes em cumpri-los à risca. Os mais antigos se lembram da Era Delfim, em que as missões do FMI vinham ao Brasil colher desculpas e conceder "waivers", ou seja, tolerâncias em relação ao não-cumprimento dos compromissos assumidos. E os mais afoitos gostariam de que estivéssemos copiando a retórica inflamada de Kirchner mesmo que a Argentina esteja tendo enormes dificuldades em restabelecer seu crédito externo e tenha de recorrer aos cofres de Hugo Chávez para colocar seus papéis financeiros. A decisão do Brasil de pagar antecipadamente o FMI pode até ser criticada, mas, de novo, a maior parte dos críticos não está entendendo as sutilezas do gesto brasileiro. Primeiro porque quem paga pontualmente sai pela porta da frente podendo voltar à hora que quiser. Segundo porque agora o país não deve nada, nem obediência. Conseqüentemente, o Brasil ficou livre de amarras contratuais que o obrigavam a restringir investimentos em infra-estrutura econômica e social. E além disso, projetou uma imagem de responsabilidade financeira que o beneficiará no futuro.
Enfim, nem tudo são pedras. Entramos 2006 com melhores perspectivas externas do que tivemos em anos e se formos minimamente capazes de aprender de nossos equívocos passados, e não desperdicarmos mais uma vez as oportunidades que estão à nossa frente, já teremos conseguido um avanço histórico. Afinal, quando nos livrarmos da sensação de que o mundo todo conspira contra nós e da certeza de que todos os nossos problemas se devem à malignidade dos países ricos, teremos saído da puberdade econômica e institucional para entrar na maturidade.
2006 será, também e se o bom Deus assim quiser, o Ano da Grande Faxina Política. Para isso, nossos votos são de que, em 2006 mantenhamos nossa memória atenta e nossa vigília cívica alerta para evitar que o compadrio e o corporativismo frustrem mais uma vez a esperança da população. Imodestamente, devo lembrar ao paciente leitor que, em artigo publicado há meses, já imaginava que iria sobrar para nós a tarefa de limpar as cavalariças. Portanto, preparemos vassouras e esfregões.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Mestrado em Organizações da UniFAE e membro da Academia Paranaense de Letras.
