O editorial da Gazeta do Povo “O reajuste possível”, a respeito dos salários do funcionalismo estadual paranaense, abre uma porta de debates muito ampla. Não se trata de reajuste, mas apenas reposição dos índices de inflação. É verdade que nenhum servidor foi demitido em virtude da crise, mas servidores públicos do Executivo não “passaram incólumes pelo resultado mais trágico da crise econômica que estourou no fim de 2014”. Incólumes ficaram os servidores dos demais poderes e do Ministério Público. Junto com os contribuintes, os servidores do Executivo continuam arcando com o “alto preço da crise” que nem sequer deveria ter ocorrido.
A discussão é muito mais ampla do que a mera reposição da inflação de 2,76%. Pretendemos trazer à tona o que chamamos de “corrupção jurídica”, uma das mais nocivas formas de corrupção, que é o uso ilegítimo do poder de investigar, acusar e julgar para obtenção e manutenção de vantagens ilícitas. Todos os deputados, o chefe do Executivo e o Ministério Público, o fiscal da lei, já estão cientes das inconstitucionalidades dos repasses que vêm mantendo o Paraná em estado de crise constante. O Ministério Público Estadual, em claro ato de intimidação, instaurou inquérito civil contra os técnicos da Secretaria de Estado da Fazenda que elaboraram o estudo que comprova as inconstitucionalidades dos repasses (Portaria MPPR-0046.17.066528-8). A Constituição Federal, em seu artigo 167, inciso IV, proíbe vinculação de receitas de impostos a órgão, fundo ou despesa. Esta vinculação de receitas do estado já foi declarada inconstitucional na Adin 1.843-3, de Rondônia. Ampliando a inconstitucionalidade já reconhecida pela corte suprema, o Paraná foi ainda mais longe e, em 2011, incluiu o Fundo de Participação dos Estados na base de cálculos, retirando dos cofres do Executivo cerca de R$ 480 milhões ao ano.
Adota-se a política de extinção de direitos de uns para manutenção de regalias de outros
Mas não paramos por aí. As leis 12.241/98 e 15.942/2008, que criaram o Fundo Especial do Ministério Público e o Fundo da Justiça, também são inconstitucionais. Os repasses, sendo fonte ordinária não vinculável, ao fim do exercício devem retornar ao caixa único do Tesouro do estado, conforme prevê o artigo 56 da Lei 4.320/64 (princípio de unicidade de tesouraria). Inconcebível a prática de especulação financeira com receitas provenientes de impostos.
Considerando os valores repassados a mais pela forma inconstitucional de repasses, mais os R$ 3,5 bilhões de repasses ilegais referentes ao Fundo de Participação dos Estados desde 2011, e mais quase R$ 2 bilhões ilegalmente mantidos nos fundos do MP e Judiciário, teremos um montante superior a R$ 10 bilhões que deveriam estar sendo investidos em áreas prioritárias como saúde, educação e segurança. E como são utilizadas estas verbas pelos demais poderes e pelo MP? Para pagamentos dos mais diversos auxílios e penduricalhos, seguidos de indenizações milionárias e verbas retroativas que nunca se extinguem. Por essa razão, temos hoje o MP e o Judiciário mais caros do mundo, segundo o pesquisador Luciano da Ross, da UFRS. Como se vê, a discussão é muito mais ampla.
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Para manter intactas essas inconstitucionalidades dos repasses, adota-se a política de extinção de direitos de uns para manutenção de regalias de outros. Assim, servidores da saúde que recebem ínfimos salários perderam o direito a uma marmita que custava R$ 8. A Polícia Judiciária deixou de contratar 77 delegados de polícia, fazendo com que um único delegado acumule um total de 13 cidades. O Plano Orientador Nacional de Planejamento Estratégico das Polícias Judiciárias prevê que, para minimizar a falta de efetivo, seja ampliado o poder de mobilidade das polícias com a utilização de aeronaves. Um helicóptero completamente equipado para operações policiais e resgate de vítimas em situação de perigo extremo custa cerca de R$ 3,5 milhões. Uma lancha completamente equipada para permitir resgates noturnos em alto mar, em qualquer tipo de condições climáticas, custa em torno de R$ 5 milhões. Ainda não temos nem a lancha e nem o número suficiente de helicópteros, mas o Ministério Público do Paraná gastou R$ 37 milhões para pagamento de auxílios-alimentação retroativos! Isso corresponde a nove helicópteros e sete lanchas de resgate.
Esta é uma pequena amostra do elevado potencial de prejuízo social decorrente da corrupção jurídica. O objetivo do Plano Orientador de Planejamento Estratégico é atingir o nível de excelência em matéria de segurança pública sem onerar o contribuinte. O caminho passa pela reforma da máquina pública, com a revisão das inconstitucionalidades dos repasses e estabelecimento de novo modelo de autonomia financeira restrita, com previsão de investimentos somente para cumprir a atividade fim.
Temos um caminho seguro para fazer do Brasil uma grande nação. Inconcebível que os servidores públicos do Poder Executivo desistam de um direito constitucional para garantia da continuidade de uma ilegalidade que ano a ano continua a sangrar os cofres públicos.
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