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Um encontro histórico e a reaproximação entre cristãos

No dia 12 de fevereiro, o papa Francisco e o patriarca Kirill, de Moscou, encontraram-se em Havana (Cuba), um encontro considerado “histórico” pela imprensa mundial – e, realmente, do ponto de vista histórico, há causas estruturais e conjunturais.

Ambas as tradições cristãs têm a mesma origem: comunidades cristãs fundadas por apóstolos nos anos que se seguiram à morte e (para quem acredita) à ressurreição de Jesus Cristo. Contudo, ao longo dos anos cada uma das comunidades cristãs foi adquirindo características únicas com relação ao dogma e ao ritual. Enquanto as comunidades orientais (Grécia, Ásia Menor, Síria, Palestina e Egito) sofreram pouco ou nenhum rompimento com as instabilidades trazidas pelas invasões bárbaras, as comunidades ocidentais (Itália, Gália, Península Ibérica, Ilhas Britânicas e Norte de África) suportaram diversas invasões que enfraqueceram ou mesmo acabaram com as comunidades cristãs locais.

Praticamente só o bispo de Roma permaneceu e, a partir do século 5.º, empreendeu grandes esforços para “recristianizar” a Europa Ocidental, que passou a ser controlada por reis pagãos (como no caso dos anglo-saxões nas Ilhas Britânicas) ou por aderentes da heresia ariana (como no caso dos visigodos na Península Ibérica ou dos francos na Gália). Sob a liderança de papas como Gregório Magno (590-604), os reinos germânicos da Europa Ocidental passaram a ser convertidos e postos sob a autoridade, em primeiro lugar puramente religiosa, do papa de Roma.

Enquanto isso, no Oriente, a continuidade da situação existente na Antiguidade (grandes cidades com forte autonomia e identidade própria) favoreceu o surgimento de diversas autoridades religiosas autônomas. No Concílio de Calcedônia, em 451, estabeleceu-se o que foi chamado de “Pentarquia”, segundo a qual a Igreja possuia cinco líderes, os patriarcas: de Alexandria, Jerusalém, Antioquia, Constantinopla e Roma. Ao patriarca de Roma, o papa, foi dada uma primazia, por se tratar da cátedra do apóstolo Pedro.

A conjuntura atual faz as igrejas Católica e ortodoxas terem agendas bastante comuns

Apesar de ela ser simbólica, os papas seguintes foram dando pequenos passos em direção à transformação dessa primazia simbólica em primazia de fato. Por essa razão, nós devemos relativizar algumas datas consideradas como “cismas”, como o do século 9.º e o chamado “Grande Cisma”, no qual o patriarca Miguel Cerulário de Constantinopla e o papa Leão IX se excomungaram um ao outro.

Esses eventos foram, na realidade, épocas mais tensas, depois das quais reaproximações eram feitas. Contudo, a Igreja romana e as suas Igrejas-irmãs orientais foram gradativamente se separando devido às questões teológicas – como a adoção, pelos católicos, da doutrina segundo a qual o Espírito Santo provém do Pai e do Filho (Filioque) –, além de diferenças rituais (como o uso do pão ázimo pelos católicos), diferenças de calendário, delimitações de jurisdição e, por fim – eu diria “principalmente” –, os eventos políticos relacionados a expansão ocidental no Mediterrâneo Oriental: as Cruzadas.

Pensadas para ser apenas uma atividade-escape para a jovem aristocracia feudal sem-terra, as Cruzadas tinham como objetivo inicial a conquista dos lugares santos na Palestina. Porém, elas resultaram na rápida degradação da relação entre os bizantinos (que suspeitavam que o real objetivo das Cruzadas era conquistar Constantinopla) e os ocidentais, que passaram a desprezar cada vez mais os bizantinos, acusando-os de covardia e conspirar com os muçulmanos. Esse ódio crescente, a má organização dos cruzados, a ganância dos venezianos e a ambição egoísta de alguns membros da dinastia imperial bizantina dos Angelos levaram à catástrofe que foi a conquista de Constantinopla pela Quarta Cruzada, em 1204. Esse evento cimentou de uma vez por todas o cisma entre a Igreja Católica e as igrejas ortodoxas.

Desesperados por auxílio ocidental contra os turcos otomanos, os imperadores bizantinos concordaram em unir suas igrejas à de Roma – e reconhecer a superioridade papal – em Lyon, em 1272, e em Ferrara-Florença, em 1439. A resistência interna fez com que os imperadores abandonassem rapidamente essa ideia. A conquista turca de Constantinopla em 1453 acabou com qualquer motivação possível para a união das igrejas, restando somente um enorme ressentimento por parte dos ortodoxos devido ao posicionamento arrogante de Roma e uma percepção de que os católicos foram traidores.

A situação começou a mudar no século 20, quando o papa Paulo VI se encontrou em Jerusalém com o patriarca Atenágoras de Constantinopla (Istambul) em 1964. Foi o primeiro encontro desse tipo. Ambos (simbolicamente) cancelaram as excomunhões. Nem eles nem seus sucessores puderam levar o processo mais além, por causa das diferenças teológicas e rituais, além de ressentimentos antigos e da suspeita dos ortodoxos, muito ciosos de sua autonomia.

Porém, a conjuntura atual faz as igrejas Católica e ortodoxas terem agendas bastante comuns: lutam para achar seu lugar num mundo contemporâneo extremamente secularizado, e ambas estão muito preocupadas com as perseguições a cristãos no Oriente Médio. Essas motivações favorecem o encontro entre o papa de Roma e o patriarca de Moscou, líder da maior congregação ortodoxa do mundo.

Pode-se ver este encontro positivamente, pois será um passo importante para a reaproximação das igrejas cristãs depois de muitos séculos de atritos e desentendimentos. Ambos, o papa Francisco e o patriarca Kirill, podem ser uma ponte de entendimento e arrefecimento das tensões entre o Ocidente e a Rússia, cujas relações têm se deteriorado rapidamente desde a crise na Ucrânia, em 2012.

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