Tenho certeza de que o título acima já causou, com total razão, calafrios, repulsa e revolta em muitos. Agora peço que o leitor faça o seguinte exercício imaginativo e considere que tal frase foi dita por Jair Bolsonaro, Rachel Sheherazade ou Paulo Eduardo Martins: uma repercussão gigantescamente negativa invadiria toda a imprensa, grupos feministas iriam às ruas, políticos fariam discursos e celebridades gravariam vídeos externando sua revolta. Algo bem próximo, ou até maior, aconteceria se o dono da frase, por exemplo, fosse a NRA – famosa associação americana de lobby em favor das armas – ou, ainda, um conservador americano. Todos os jornais do mundo estampariam sua ojeriza em suas primeiras páginas.
Segundo o governo dos Estados Unidos, apenas 3% dos estupros se concretizam quando a mulher está armada e reage
Infelizmente, a frase não é um exercício fictício; em sua totalidade, diz que “Um estupro acaba em alguns minutos, a morte é para sempre. Você não precisa de uma arma”. Ela faz parte de uma campanha da ONG Moms Demand Action for Gun Sense in America, que luta por mais restrições às armas nos Estados Unidos. Uma espécie de “estupra, mas não mata” às avessas. A versão mais perversa do “relaxa e goza”. Na campanha, a ONG tenta convencer mulheres de que é melhor se deixar estuprar do que reagir e morrer (ou matar; nem sei mais com qual vida as ongueiras estão realmente preocupadas). Fica óbvio o desprezo desses grupos pela dignidade da mulher. O importante para eles é que você nunca tenha uma arma, não importa se você será estuprada ou não.
Em sua argumentação, tosca e asquerosa, professam que uma mulher que tem uma arma e reage a um estupro tem mais chances de morrer. Mentira que ouvimos muito por aqui e que é desmentida por vários estudos e dados. Dos 2,5 milhões de vezes em que uma arma de fogo é usada para legítima defesa nos EUA, 7,7% dos casos são de mulheres que as utilizam para defesa contra agressões sexuais. São quase 200 mil episódios por ano! De acordo com o estudo “Law Enforcement Assistance Administration, Rape Victimization in 26 American Cities”, do Departamento de Justiça norte-americano, apenas 3% dos estupros se concretizam quando a mulher está armada e reage. Arthur Kellerman, um pesquisador cujo trabalho é frequentemente citado pelos grupos de controle de armas, disse: “Se você tem de resistir, suas chances de ser ferido são menores se você tiver uma arma. Se fosse minha mulher, se eu quero que ela tenha um 38 em sua mão? Sim!”
Deixando de lado as mentiras numéricas apresentadas, que para mim são completamente secundárias, devemos refletir sobre a questão psicológica do estupro. Todo o trauma, dor, vergonha, depressão, casamentos e relacionamentos desfeitos, famílias destruídas, depressão e, não raramente, o suicídio. Não me envergonho de dizer que, na preparação deste artigo, li, ouvi e assisti a vídeos com depoimentos de vítimas diretas e indiretas de estupradores. Foi muito difícil aguentar sem chorar. Eu não aguentei e tive de parar várias vezes para poder assimilar tamanho desconforto, raiva e tristeza.
Muitos devem estar espantados. Eu não! Travestidos de benfeitores, de gente preocupada com a humanidade, com discursos do “eu sei o que é melhor para você”, essa é a verdadeira essência dos desarmamentistas: desprezo ao ser humano, aos seus valores, liberdades e dignidade. Gente que continua achando que ficar vivo, mesmo que escravizado, humilhado e com sua alma destruída, ainda é melhor que lutar. São cultivadores da covardia como valor humano.