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Opinião do dia 3

Um governo de sete meses

Um advogado nascido no Rio de Janeiro, em 1922, e formado em Direito pela Faculdade Nacional, caiu de pára-quedas em Maringá para uma carreira política de sucessos antecedendo a um epílogo fatal. Orador talentoso e fluente, elegeu-se deputado estadual (por dois mandatos) e federal, ocupando lideranças e cargos relevantes. A partir de uma posição ativa na Revolução de 64, alcançou graças federais e também o governo do Paraná. Era inteligente, culto, talentoso, professor universitário e ambicioso. Ao ser indicado instalou no sétimo andar de um prédio na esquina dos marechais um "escritório de planejamento" para os sucessos de um governo melhor do que os anteriores.

Não o conhecia nem ele a mim, mas ao ouvir algo favorável a este servo de Deus numa reunião na casa dos "Baum", no Jardim Los Angeles, meu primo Clóvis do Espírito Santo, presente, pediu-lhe que me convidasse para integrar a área da saúde.

O escritório era dirigido pelo engenheiro Aniro de Araújo Jorge, tendo como integrante principal Cássio Macedo e os colaboradores Pedro Viriato Parigot de Souza, Haroldo Carvalhido, Carlos Amorety Ozório, Laufran Villanueva, Ario Dergin e Jaime Lerner, que na ocasião reformava a casa do indicado, nas imediações do Country Clube.

Os trabalhos decorriam em ritmo de bolero, com uma tênue limitação ao Parigot, que fazia as vezes de um estranho no ninho. Sua excelência, o ungido, raras vezes aparecia, sério e impenetrável no intento que lhe corria a alma. Todos se supunham escolhidos para secretários e prefeito, como de fato o foram, menos eu – que apesar de convidado, deixei de assumir – e também meu amigo Ario Dergin, por razões que desconheço. Na ocasião do convite, quando lhe apresentei meu plano de trabalho disse-lhe: "Ainda que seu governo venha a ser o melhor possível, mesmo assim será caracterizado como um governo da saúde". Como resposta, ouvi: "Não tenho muitas ambições nesse setor". Lembro de sua chegada triunfal ao nosso aeroporto, apinhado com uma multidão de aduladores ciosos de algum pedaço na repartição do bolo, ou mesmo parcas migalhas, sobras das mesas fartas em que se aprazem os poderosos.

No domingo em que os jornais publicaram a constituição do secretariado com meu nome figurando na Saúde, o Clóvis me comunicou a destituição. A vida é um perde-e-ganha permanente e tudo passa como a Deus é servido.

A posse ocorreu em l5 de março de l971, com a pompa e a circunstância tradicionais. Em sua oração protocolar, ele exaltou: "Governo é aproximação, diálogo; governo é soma, é entrosamento, é solidariedade, é participação. Buscarei o alcance da justiça, sob a tutela da lei tanto aos pequenos e desavisados que a transgridem, quanto, e sobretudo, aos poderosos e seus interesses juridicamente protegidos do povo ou do Estado."

Mas, uma vez livre e solta, a fera não esperou muito a afiar as garras e partir para o ataque. A sede era aguda e forçava-lhe a mão no jarro.

Nessa façanha é que surgiu um episódio na qual o empresário Cecílio do Rego Almeida emergiu como salvador da pátria. Em agradável "footing" pela praia de Copacabana, Cecílio gravou o jabaculê pedido: 6 milhões de dólares. O ministro da Justiça, Alfredo Busaid, veio a Curitiba: ou assina ou vai ouvir a demissão pela Hora do Brasil. "Por este instrumento, renuncio ao governo do estado do Paraná". Assinou.

Durante muito tempo fiquei sem saber quem teria sido o autor dessa ação contra meu patrimônio. Depois de muitos anos de suposições, apenas meses atrás, o meu amigo Laufran Villanueva assumiu a paternidade do caso, alegando uma grande amizade com o Daniel Egg, por serviços médicos prestados a sua esposa. Daniel, meu colega desde os bancos primários até a Academia Paranaense de Medicina, foi excelente médico e correto cidadão, diretor do Hospital Evangélico, que ajudou a construir e equipar. Após a saída do Haroldo me confessou que durante todo o exercício da Secretaria nunca teve uma audiência com sua excelência, sequer lhe viu a cara. Grato pela indicação, Daniel escreveu um artigo com elogios ao Laufran, o que não era do seu feitio, severo, discreto e ponderado. Há males que vêm para bem e esse passou a ser um deles, com os maiores agradecimentos ao filho do professor Villanueva, que me livrou da pecha de um mau secretário que por certo me caberia.

Quando governador do estado, apreciei-o em uma comemoração no Country, a vociferar em alto e bom som para um grupo de secretários: "Os senhores façam o favor de me respeitar. Se cheguei onde cheguei, foi por meu alto valor. Sou superior a todos vocês que não param de me invejar. Confio muito no meu taco." Haroldo era bravo, explosivo e virulento. Nessas ocasiões era melhor sair da frente.

Lauro Grein Filho é presidente da Cruz Vermelha e do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.

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