Em 1973, no Teatro Aliança Francesa, em São Paulo, primoroso texto de Gianfrancesco Guarnieri transformou-se em um dos primeiros espetáculos que conseguiram romper o cerco da censura imposta pelo regime ditatorial da época. Tratava-se de "Um grito parado no ar", cuja linguagem metafórica expunha o inconformismo com a falta de liberdade e a indignação dos brasileiros ante as verdades escondidas pela truculência estatal. Há uma analogia possível entre a obra e a CPI do Apagão Aéreo da Câmara dos Deputados. E não me refiro à associação semântica da palavra "aviação" com o título da peça, mas sim à forte possibilidade de a Comissão Parlamentar de Inquérito também ser reveladora. É possível que se desvendem informações graves que o atual governo, embora eleito sob a égide da democracia, parece tentar esconder a todo custo da sociedade.
Depois de frustrada pelo Supremo Tribunal Federal a tentativa do Palácio do Planalto de impedir a instalação da CPI, nem mesmo o fato de a sua relatoria e presidência pertencerem à base aliada do governo Lula deverá barrar a investigação dos problemas no sistema de controle do tráfego aéreo. São boas as oportunidades de se apontarem soluções para um tema de grande interesse político e econômico do país. Também não se deve excluir a possibilidade de as investigações apontarem a eventual ocorrência de corrupção no âmbito da Infraero, em especial se for constatado algum vício no processo de solicitação de recursos para o Departamento de Aviação Civil e na escassez de investimentos em infra-estrutura. Não se deve ignorar a seriedade das denúncias apresentadas à imprensa pela empresária paranaense Silvia Pfeiffer.
Neste momento, contudo, é prioritário à sociedade entender de maneira aprofundada os problemas do controle aéreo e encontrar alternativas de soluções. Os brasileiros esperam isto, conforme atestam as mais de 20 mil assinaturas de cidadãos que colhemos nos aeroportos, em prol da CPI. Querem saber porque o sistema aéreo está absolutamente comprometido do ponto de vista de sua gestão. Desde o acidente com o avião da Gol, vitimando 154 pessoas, sucessivos problemas acometeram o sistema. Entretanto, o presidente da República, a cada apagão, reúne seu Ministério e as autoridades do setor, mas nada resolve.
Empurra-se com a barriga uma situação gravíssima. Vidas estão em jogo quando o assunto é segurança de vôo; muitas pessoas dependem da aviação para trabalhar, fechar negócios e resolver problemas de saúde. Milhares estão reféns de uma ameaça desconhecida, que está causando muito medo, intranqüilidade e falta de confiança. Quem depende desse tipo de transporte sabe que está sujeito, sem trocadilhos, a um vôo cego ou a horas de espera em aeroportos. Tenta-se imputar culpa aos controladores de vôo, mas os aliados governistas não comentam que os investimentos em segurança de vôo estão aquém das verbas disponíveis para essa finalidade. Por quê? O próprio Sistema Integrado de Gestão Financeira do Governo Federal (Siafi) demonstra que, no ano passado, aplicaram-se 50% do previsto e, no presente exercício, apenas 1,13%, até o momento.
Para dar respostas à sociedade, propusemos a criação da CPI, inclusive buscando o apoio da base governista, que acedeu, mas foi rapidamente cooptada no sentido de torpedear a iniciativa na Câmara Federal. Foi uma pressão do governo adotada na contramão da democracia e dos anseios da sociedade. Felizmente, a Justiça garantiu esse direito pertencente não a um grupo de deputados ou partidos, mas aos eleitores. O Palácio do Planalto que não queria uma terá, agora, duas CPIs, pois o Senado também deverá instalar sua comissão. Haveremos de dar à sociedade respostas a tantas indagações, suspeitas de mazelas e incompetência para gerir o sistema de controle do tráfego aéreo. Será o resgate da transparência, para que, mais uma vez, esta nação não fique com um grito de indignação parado no ar.
Vanderlei Macris, deputado federal (PSDB/SP), é autor da proposta da CPI do Apagão Aéreo.
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