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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Em decisão recente na prolatada ADPF 527, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, houve por bem aceitar a legitimidade ativa de uma associação representativa de gays, lésbicas e transgêneros para ajuizar ações desta natureza. No caso específico, discute-se a transferência de presos transexuais para unidades femininas e a de presos gays e travestis para espaços específicos dentro das prisões masculinas. Embora seja altamente duvidoso que a matéria em questão possa ser tratada como “direito fundamental”, o fato é que a decisão do ministro chamou a atenção do mundo jurídico e já levanta discussões.

Ora, o rol dos legitimados para tal ação está previsto na Constituição Federal e, pura e simplesmente, nele não se preveem associações como a que ajuizou a ADPF 527. De fato, o inciso IX do artigo 103 do texto constitucional prevê apenas que entidade de classe de âmbito nacional está legitimada para tanto. Em sua decisão, basicamente, o ministro redefine o conceito de “classe” para fazê-lo abranger entidades como a associação autora, alargando, assim, o rol dos legitimados.

A decisão, com a devida vênia, é equivocada e deve ser revertida pelo plenário do STF. E aponto, para tanto, duas razões: uma de natureza jurídica e outra de natureza de conveniência.

A decisão é equivocada e deve ser revertida pelo plenário do STF

Quanto à questão jurídica, tem-se que, por mais que o ministro tenha se esmerado em sustentar seu ponto de vista, o fato é que, ao fim das contas, ele indisfarçavelmente está alterando a Constituição sob o pretexto de interpretá-la. E isso é um dado objetivo e incontornável, por mais que se tente sustentar o contrário com camadas e mais camadas de retórica. De fato, em essência, o que se vê na decisão, por debaixo de todos os argumentos lançados, é que o ministro simplesmente não concorda com a limitação constitucional e, achando-a restritiva demais para sua própria visão de direito, decidiu por bem superá-la. A decisão é, portanto, juridicamente insustentável, tanto que os principais argumentos dela constantes nem sequer poderiam ser tidos como argumentos jurídicos propriamente ditos.

Quanto à questão da conveniência da decisão, tem-se que, uma vez que uma ADPF é um instrumento de controle concentrado de constitucionalidade, a ampliação do rol dos legitimados implica a ampliação da área de atuação do STF e, ipso facto, a ampliação de seus próprios poderes. Ora, tal ampliação levada a cabo pelo próprio poder que dela se beneficiará, num momento em que a sociedade brasileira em peso acusa o Poder Judiciário de ativismo e de usurpação da função legislativa, parece coisa destinada a ferir de morte o já bastante combalido equilíbrio institucional em que nos encontramos. E isso pode, no médio prazo, ter consequências desastrosas para a sobrevivência da própria democracia brasileira.

Atualização de entendimento: Garantias para quem mais precisa delas (artigo de Ligia de Oliveira , advogada e doutoranda em Direitos Humanos e Democracia e Rafael Kirchhoff , advogado, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/PR)

Sendo a decisão, de um lado, juridicamente insustentável e, de outro, politicamente inconveniente, penso que o melhor caminho a ser seguido pelo plenário do STF é revê-la, obedecendo-se o comando da Constituição e evitando-se ainda mais desgastes institucionais.

Alexandre Semedo de Oliveira é juiz de Direito e membro do Movimento Magistrados para a Justiça (MMJ).
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