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 | Justin Renteria for The New York Times
| Foto: Justin Renteria for The New York Times

De acordo com a Casa Branca, um muro “excepcional” e “bonito” será erguido em Otay Mesa, região leste de San Diego, baseado em um dos oito protótipos imensos em exibição ali, visíveis a quilômetros de distância. Pensei, então, em dar uma espiada pessoalmente.

Assim, na visita recente que fiz a San Diego, fui à travessia fronteiriça de Otay Mesa, passando pelo verdadeiro labirinto de vielas industriais e paisagens pós-apocalíticas à la Mad Max para conferir os tais monumentos à visão de futuro de Trump.

Frustrado com a distância, que os fazia parecer miragens, finalmente estacionei no fim da estrada, de onde podia ver a cerca divisória original sumindo na distância, com casas construídas contra ela do lado mexicano e um deserto infinito do lado norte-americano.

Após uma inspeção rápida, percebi que não dá para visitar as seções propostas do muro sem a aprovação da Patrulha de Fronteira: os protótipos estão dentro de um canteiro de obras cercado de arame farpado.

Como é de se imaginar, o governo teme os manifestantes. Em outras palavras, o dinheiro público está sendo usado para proteger os modelos não contra os mexicanos, mas sim dos próprios contribuintes. Os relatos são de que o Departamento de Polícia de San Diego teria pago US$ 227 mil em horas extras no ano passado, para que os oficiais protejam o canteiro, além de um gasto de US$ 5 mil com suas refeições.

Otay Mesa, ao longo da fronteira mexicana, já foi habitada por índios kumeyaay, cuja tribo se estendia do Oceano Pacífico ao Rio Colorado. Segundo os historiadores, eles viveram ali 12 mil anos. É claro que isso foi antes de os imigrantes ilegais chegarem, trazendo consigo os estacionamentos, os McDonald’s e um sem-fim de unidades de armazenamento, e mudando completamente a paisagem. Uma nova linha dividiu a nação kumeyaay, e patrulheiros em picapes brancas assumiram o controle local.

Para a narrativa trumpiana, o México tem de ser um lugar assustador, lotado de traficantes e estupradores

A Suprema Corte decidiu, dias atrás, que o governo não pode acabar com a Ação Diferida para Chegadas na Infância (“Deferred Action for Childhood Arrivals”) para os jovens imigrantes a partir deste mês, como pretendia. Por isso, Trump vai combater a imigração com táticas de medo e o início do Grande Muro, que visitará em meados do mês. Os críticos já chamam a viagem, a primeira que fará à Califórnia desde que foi eleito, de “turnê da alucinação”.

No Discurso sobre o Estado da União, ele disse que “os norte-americanos também são sonhadores”, frase com que achou, sem dúvida, ter resolvido a questão do Daca e o debate da imigração para todos nós. Imaginei até os arrepios que Stephen Miller deve ter sentido ao longo do caminho, até chegar onde se encontram as oito partes do “muro lindo”, com o lixo se acumulando à sua volta.

Na imaginação de Trump, os protótipos se erguem, impávidos e livres, em solo norte-americano, a leste da fronteira guardada com segurança máxima, perto da nova estrada na qual caminhões levam carga do México para os EUA e vice-versa. A verdade é que essas novas pistas velozes são monumentos melhores à imigração, pois antes de serem criadas o Condado de San Diego tinha perdido aproximadamente US$ 248 milhões, em 2008, por causa de atrasos, e 2.256 postos de trabalho.

O governo também vende ao público o mito de que esses painéis, alguns de concreto, outros de malha de metal, vão melhorar a segurança. E eles são realmente impressionantes. “Dá para vê-los bem dos quintais das casas em Tijuana. Parecem oito versões do mesmo dedo médio levantado para alguém”, comentou meu irmão. A piada lá é que o projeto é uma resposta bem cara ao tormento constante que o ex-presidente Vicente Fox inflige a Trump.

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Um mexicano me disse: “Nem ligamos para eles. Daqui a pouco vamos ser contratados para pintá-los e consertá-los, você vai ver”.

Otay Mesa é uma zona limiar; as montanhas próximas são tranquilas e o solo, ressecado e irregular. É o lugar perfeito para ser consumido por um dos incêndios catastróficos que castigam a Califórnia. O lado norte-americano é um labirinto de estradinhas e rodovias tostadas pelo sol, construções industriais e caminhões estacionados nos acostamentos. Às vezes, a gente tropeça em uma propriedade pequena entre os terrenos vazios e vê uma vaca mascando melões. Os protótipos não são vistos das ruas principais.

Do lado mexicano, Tijuana se choca com a cerca fronteiriça como uma enchente que atinge o paredão da represa. Vivemos ouvindo que a cidade é um lixão industrial – é importante fomentar a ilusão de que aquelas pessoas do lado de lá, no México, não são 100% humanas, que ali não existem famílias felizes, gente trabalhadora, nem gerânios no quintal. A garotada não joga bola, não há cachorros. Tudo e todo mundo é faminto feito o diabo. Para a narrativa trumpiana, o México tem de ser um lugar assustador, lotado de traficantes e estupradores.

Em Tijuana, as casas se espalham em um padrão fractal que acaba abruptamente. À distância, essa linha imaginária parece mágica, mas, na verdade, é uma estrada de terra na qual os veículos brancos da Patrulha de Fronteira ficam zanzando e contém a cidade inteira.

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Em janeiro, o maestro e percussionista Steven Schick realizou um concerto na porção do muro que dá para o mar, a oeste, ainda em terras kumeyaay. A grande sacada foi dispor um grupo de músicos mexicanos em Tijuana e outro, de norte-americanos, nos EUA, para uma apresentação através da muralha – invisíveis uns aos outros, mas o tempo todo criando arte que transcende as fronteiras. Um ato revolucionário. Um ato humano.

Schick me contou que estivera em Berlim nos tempos em que o muro de lá ainda existia. Disse que o lado “limpo”, controlado, impecável e militarizado da Grande Era Soviética ficava em Berlim Oriental. E era exatamente igual ao lado norte-americano do nosso muro fronteiriço, com caminhões, guardas armados, câmeras, atiradores de capacetes pretos em quadriciclos, cães mantendo a população afastada da muralha. É preciso evitar o contato a todo custo.

O lado mexicano, porém, é cheio de cor; tornou-se uma galeria a céu aberto. Um verdadeiro ímã para grafites. Um lugar para murais. E barraquinhas de taco. E carrinhos oferecendo arte, sorvete e músicos vagando nas proximidades. “Em Berlim, o lado colorido e vibrante do muro era o ocidental; o militarizado e seguro era o soviético”, recorda Schick.

Quem era livre e quem vivia preso? Quem é “o outro”? Os norte-americanos também sonham. E o meu é o seguinte: não há “eles”, só “nós”.

Luis Alberto Urrea é autor do inédito “The House of Broken Angels”.
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