| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Sou paulista e, por isso, o Paraná, especialmente Curitiba, às vezes me causa estranhamento. E isso é ótimo, porque, como ensina a Antropologia, o estranhamento permite algum avanço do nosso entendimento sobre a realidade na qual nos inserimos. O fato de não ser curitibano talvez venha lhe ajudar a pensar sobre algumas ideias que parecem circular por aqui.

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Trata-se, pois, de um convite ao estranhamento do que para você pode ser familiar.

Um desses exercícios de questionamento na capital paranaense fiz no ano passado. Foi exatamente durante o Festival Folclórico de Etnias do Paraná. Ouvi falar sobre o evento e logo me interessei. E tão rápido quanto meu interesse, percebi-me totalmente alheio aos sentidos que os paranaenses pareciam compartilhar enquanto viam danças daqueles que por aqui desembarcaram e seriam seus ascendentes. Contudo, foi no festival desse ano que pude elaborar melhor o que me provocaram, há um ano atrás, aquelas apresentações folclóricas.

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No último domingo, estive no Memorial de Curitiba para ver a apresentação dos documentários que foram exibidos no Teatro Londrina. Foi o contraste entre o cartaz do Festival que estava afixado na entrada e o documentário do fotojornalista Bruno Covello sobre os haitianos no Brasil que me permitiu refletir um pouco mais sobre o que me causara aquela estranheza: uma certa noção de quem são os paranaenses.

Antes de entrar no teatro vi o cartaz do festival de 2017. É visivelmente composto por atores brancos que aparentam representar aquilo que o título do evento sugere, ou seja, representariam as etnias brancas presentes no Paraná. Já dentro do teatro, entretanto, a exibição do documentário O Povo Brasileiro fez aumentar meu estranhamento frente à imagem do cartaz. Segundo o filme, negros, além de alemães, italianos e poloneses – se não estivermos esquecendo outros – compuseram o processo de formação do povo sulista. Logo perguntei a mim mesmo sobre o apagamento de negros naquela mesma representação. Os negros não deixaram descendentes nessas terras? Não parou por aí. Em seguida, o inquietante documentário de Covello sobre os haitianos induzia-me a tornar a questão ainda mais complexa. Porque, ao falar da presença atual de negros estrangeiros no estado, coloca a urgência de repensar a marginalização que aqueles primeiros negros sofrem na memória sobre a formação do estado e a que os negros haitianos vivenciam hoje – não só, mas também – por aqui.

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É notável que os haitianos percebem e sentem – profundamente, diga-se de passagem – a margem a que muitos os destinam. Formulam sobre isso. Dizem existir muito preconceito. O que não fica muito claro – e Covello poderia escavar melhor isso – é como concebem a natureza desse preconceito. Percebem-no como xenofobia ou racismo? A saber, fundamentam esse preconceito por conta da origem nacional, ou das características fenotípicas? Ainda, veem-nas imbricadas? E como se articulariam entre si nesse caso?

Se não fica claro como pensam a percepção de suas identidades, de mesmo modo não ficou muito claro pelo debate que se seguiu após os filmes como se equaciona, em situações como a do festival, as identidades formadoras do paranaense. Isso porque se falou muito, num evento sobre etnias, de nações. Escorregava-se de etnia à nação e vice-versa. Com certa estranheza antropológica, aquela que procura compreender a vida que se vive, questionamos: no Paraná, é meio geral essa perspectiva que classifica os imigrantes a partir de nacionalidades supondo referir-se a grupos étnicos, a culturas? Existe por aqui essa equivalência entre etnia e nação? Seria isso uma particularidade da forma de alguns paranaenses falarem da sua própria identidade?

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Sem intenções críticas, sou um paulista querendo compreender. Espero que faça o mesmo e, desse modo, possamos pensar que tipo de narrativas produzem para si sobre vocês mesmos. Estranhe-se. Para mim tem sido frutífero, o que a rica Curitiba tem oportunizado.

João Roberto Bort Júnior é doutorando em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).