De forma recorrente, o tema da maioridade penal ressurge nos debates públicos, seja com o renascimento de proposições de redução da idade mínima para a imputabilidade penal ou acompanhadas de promessas de redução das estatísticas de infrações praticadas por jovens. A mais nova proposição é a do senador Flávio Bolsonaro, que pretende reduzir a maioridade penal para 16 anos como regra geral e para 14 anos em casos de crimes hediondos, tráfico de drogas e associação criminosa, entre outros (alguns nem sequer especificados).
Todavia, o próprio discurso apresentado pelo senador como justificativa para a proposta já revela os equívocos de suas premissas. De acordo com o senador, os “avanços sociais e tecnológicos das últimas décadas” teriam propiciado “o desenvolvimento precoce de crianças e adolescentes”, o que tornaria obsoleto o marco de 18 anos de idade. Porém, esse argumento, além de carecer de embasamento científico, entra em contraste com sérias pesquisas científicas recentes, que sugerem justamente o oposto. Nesse sentido, interessante estudo realizado pelas pesquisadoras J.M. Twenge e H. Park, intitulado The Decline in Adult Activities Among U.S. Adolescents, 1976-2016, demonstra que jovens estão demorando cada vez mais para amadurecer.
O critério de delimitação de idade para a maioridade penal passa longe de ser o mero discernimento
Flávio também baseia sua proposta no argumento de que adolescentes teriam discernimento sobre seus atos, em especial os praticados com extrema violência e crueldade. Ocorre que o critério de delimitação de idade para a maioridade penal passa longe de ser o mero discernimento. Leva-se em conta, além da capacidade do jovem de compreensão de toda a extensão do significado do ato em sua própria vida e na de terceiros, as consequências sociais de sua inserção no sistema prisional.
O parlamentar alega que a redução da maioridade é tendência a ser adotada em países desenvolvidos. Trata-se de um argumento de mera conveniência (por exemplo, a grande maioria dos países centrais já descriminalizou o aborto consentido, mas o senador não parece querer imitá-los), e incorreto: conforme demonstrou estudo realizado por G. S. A. Hathaway, consultora legislativa da Câmara dos Deputados, intitulado O Brasil no regime internacional dos direitos humanos de crianças, adolescentes e jovens: comparação de parâmetros de Justiça juvenil, a tendência global é o aumento do limite de idade para a maioridade penal.
Sugere o senador, por último, que a redução da maioridade penal “certamente iria gerar uma diminuição da quantidade de crimes” cometidos pelos jovens. O argumento, além de não conter qualquer embasamento científico, é largamente contrariado por diversas pesquisas que indicam justamente o oposto: quanto mais cedo um jovem é inserido em um sistema prisional, maiores são as chances de que se consolide uma carreira criminosa. Sobre esse tema, recomendo a leitura de Irracionalismo e redução da maioridade penal, de M.S. Dieter e L.A. Souza, no Boletim 271 do IBCCrim).
Em suma, essa proposição de redução da maioridade penal se mostra essencialmente populista, equivocada em suas premissas e inapta a alcançar os fins prometidos. Ela pode até gerar ao senador um ganho político perante seu eleitorado. Porém, se aprovada, essa medida promoveria um agravamento da desigualdade social e um encarceramento em massa de jovens das periferias. Estes, como sempre, os mais diretamente afetados por esse tipo de política punitivista irracional.
André Szesz, advogado e mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra, é professor da Escola de Direito e Ciências Sociais e coordenador da pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal da Universidade Positivo.
Deixe sua opinião