| Foto: Tania Rego/Agencia Brasil

Quando, em 27 de julho deste ano, eu, Paulo Coutinho, resolvi fazer a denúncia sobre a situação precária do prédio do Museu Nacional, havia escolhido o anonimato porque estava ciente da assimetria de forças ao questionar diretamente uma instituição federal – no caso, a Universidade Federal do Rio de Janeiro – como um simples cidadão e arquiteto. Mas, aos poucos, fui recebendo apoio de cidadãos comprometidos com essa nobre causa. Pessoas que se preocupam com a defesa de nossos melhores valores e de nosso patrimônio histórico e cultural e que já atuavam com valentia pelo salvamento de nossa memória nacional brasileira muito tempo antes do triste incêndio que destruiu o museu.

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Fizemos e continuamos a fazer o que qualquer brasileiro que tem o mínimo de apreço pelo país, ao próximo e às futuras gerações deveria fazer: agir.

A denúncia que fiz ao Ministério Público Federal – que tratou o caso com agilidade e competência, instaurando o procedimento em 31 de agosto, dois dias antes de o nosso maior ícone da memória nacional ter virado cinzas, em uma coincidência horrorosa – fazia um alerta para o abandono e o iminente risco que os gestores permitiram existir no Palácio Imperial, que abrigava o acervo do Museu Nacional.

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Não foi nenhum ministro que colocou um frigobar ligado com uma gambiarra no quarto de dom João VI

Alertava, por exemplo, para o fato de deixarem o palácio “apodrecer”, enquanto ao mesmo tempo os gestores requisitavam parte do terreno das Cavalariças Imperiais, onde deveria existir hoje o Parque Glaziou, um parque de preservação do verde e da memória do Brasil. Não havia recursos para consertar uma gambiarra de fio no coração histórico do Brasil, mas havia disposição para requerer 50 mil metros quadrados para construção? Não havia a possibilidade de reparo de uma tomada no nosso agonizante Palácio Imperial, mas continua sendo prioridade levantar do zero grandes prédios novos, sobre ainda mais terreno retirado da memória nacional brasileira?

Vejo os responsáveis pela conservação do Palácio e do acervo do Museu Nacional aparecerem diante das câmeras, isentando-se de qualquer possibilidade de culpa, apontando a tudo e a todos, gerindo recursos, apontando os próximos passos, sem ao menos fazerem um mínimo exame de consciência – que acredito não terem.

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Não podemos parar de pensar que não foram os bombeiros que colocaram plástico no telhado ou pregaram, do modo mais bruto, aqueles tocos de madeira nas elaboradas janelas centenárias. Não foi nenhum ministro que colocou um frigobar ligado com uma gambiarra no quarto de dom João VI. Não foi nenhum deputado que votou (ou não) a favor de uma PEC qualquer que colocou divisórias de escritório sobre os raros pisos que deveriam ser tratados com total zelo. E muito menos foi o presidente da República quem colocou diversas tomadas pelas paredes da forma mais desleixada possível. Foram eles, os gestores da UFRJ/Museu Nacional, que permitiram tais atrocidades.

Como pode a negligência dessas pessoas ser premiada? Em qualquer país sério elas estariam, no mínimo, na rua.

Entretanto, com a necessidade de querer demonstrar poder de reação diante do trauma nacional, o governo já pensa em direcionar alguns milhões do nosso bolso para serem administrados por estas mesmas pessoas, sem ao menos aguardar o desfecho de uma investigação rigorosa? Como assim?

Paulo Coutinho é arquiteto e urbanista, ativo na área de patrimônio histórico. Luiz Philippe de Orleans e Bragança é escritor, ativista e membro da Família Imperial. Claudio Prado de Mello é arqueólogo e historiador. Olav Schrader é presidente da Associação de Moradores do Bairro Imperial de São Cristóvão (Amasc).