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Já contei aqui mesmo a parábola da procura do bêbado, mas não custa repetir: um sujeito chega em casa e vê seu vizinho totalmente bêbado procurando algo debaixo de um poste de luz. Condoído, pergunta ao vizinho o que está fazendo e o bêbado lhe diz que está procurando a chave de casa. O bom samaritano resolve ajudar, mas depois de muito procurarem, nada da chave. "O senhor tem certeza de que perdeu a chave aqui?" E o bêbado: "Não, perdi lá na frente da minha porta". "Então, por que está procurando debaixo do poste de luz em vez de procurar na frente de sua porta?" E o bêbado: "Porque aqui está iluminado, lá está escuro!".

A decisão do Senado Federal de contratar a FGV para promover uma reforma administrativa na Casa é mais uma procura da chave no lugar errado, pois o problema central do Congresso não é de natureza organizacional: é de natureza política e moral. Tenho pela FGV uma grande admiração profissional, mas vou arriscar um prognóstico para que os atentos leitores me cobrem no futuro: seis meses serão gastos para se fazer um diagnóstico da situação administrativa e propor medidas corretivas, o que certamente a Fundação fará com invejável apuro técnico. Mas o que acontecerá então? O presidente José Sarney estará realmente disposto a levar adiante essa tarefa hercúlea de eliminar as putrefações, os privilégios, de enfrentar o velho patrimonialismo que faz confundir o exercício do mandato público com o uso ilimitado e desregrado de benesses e de facilidades que desmoralizam o Congresso? Ou estará mais próximo de uma versão lampedusiano-maranhense do Príncipe Fabrizio Salina, desejando que alguma coisa mude para que tudo fique como está? Conhecendo o retrospecto de alguns dos personagens, a dúvida é mais do que justificável.

Talvez eu esteja sendo cético demais, mas sou capaz de jurar que a contratação de uma consultora para trabalhar seis meses para diagnosticar problemas que são mais do que conhecidos e corrigir desmandos que saltam à vista, nada mais será do que uma cortina de fumaça para aplacar a ira do público, para dizer que algo está sendo feito, que "rigorosas providências" estão a caminho. Daqui a seis meses as preocupações do público serão outras, o escândalo dos quase duzentos diretores, do uso de mansões oficiais para abrigar parentes e cupinchas, da largueza na distribuição de passagens e de telefones celulares muito provavelmente terá sido esquecido.

O problema central está na necessidade urgente, inadiável, de um engrandecimento moral e político do Congresso, para que nós, eleitores comuns, acreditemos que os parlamentares são efetivamente dignos de respeito por representar o povo no processo político nacional e não meros delegados de interesses próprios, grupais , empresariais, corporativos e sindicais, dedicados integralmente à fruição de vantagens e benefícios de que a nação nem suspeita. Como sempre há exceções, pessoas da mais límpida trajetória, da mais ilibada reputação que engrandecem o Congresso, mas o futuro de uma instituição não pode depender de exceções honrosas. Alguns senadores se mostram surpresos com tudo o que está sendo desvendado, como se fosse possível estar tão próximo fisicamente de um ambiente de dissipação e de comportamentos no mínimo duvidosos sem notar que algo está errado. Alguns reclamam do "constrangimento" que estão sofrendo, mas cabe perguntar se não contribuíram ativamente para ele. Será que ninguém percebia que a absoluta falta de controle financeiro e administrativo era o caldo de cultura ideal para florescerem os absurdos ?

De pouco adianta o vitimalismo de alguns, queixando-se de perseguições da imprensa e da opinião pública. Adianta, isso sim, cortar fundo e rápido na carne antes que seja tarde, para extirpar esse tumor que ameaça desacreditar definitivamente o Legislativo, levando de roldão o processo democrático. A nação já está cansada daqueles que confirmam a máxima do Barão de Itararé, que do alto de sua nobreza decretava: "para alguns, a vida pública é a continuação da privada!"

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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