A imparcialidade do juiz é um tema dos mais relevantes para o regular desenvolvimento do processo. A chamada atividade “desinteressada do conflito” é absolutamente necessária para as partes envolvidas no conflito. Todo juiz deve manter-se equidistante dos interessados e sua atividade é subordinada exclusivamente à lei. Como se sabe, embora a jurisdição seja função pública do Estado, versa, quase sempre, sobre interesses privados.
A Constituição da República ao garantir o princípio da igualdade ou isonomia exige que em toda atividade estatal haja sua incidência. Um órgão jurisdicional parcial não estaria tratando igualmente as partes no processo e, destarte a relação jurídica instaurada em face desse juiz não teria condições de validade, porque infringiria aquele preceito constitucional. O requisito da imparcialidade filia-se à garantia constitucional do devido processo legal.
Todo juiz deve manter-se equidistante dos interessados e sua atividade é subordinada exclusivamente à lei.
Nada de novo na tentativa de evitar o juiz parcial. No sistema do velho Direito Processual Penal brasileiro já encontrávamos nos artigos 252 e 254 regras similares. O “novo” Código de Processo Civil após muitos debates e propostas de especialistas aprovou os artigos 144 e 145, com regras a respeito dos impedimentos e suspeições dos juízes em várias situações. O inciso VIII objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal tem a seguinte redação:
“Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo: VIII- em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório”.
O Supremo Tribunal Federal, entretanto, formou maioria para flexibilizar regras de impedimento de juízes e liberar magistrados para julgar casos em que as partes sejam clientes de escritórios de cônjuge, parceiros e parentes. Curioso e lamentável que a decisão imediatamente beneficia os próprios ministros do STF, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes todos casados com advogadas. Outros ministros do STF são pais de advogados. E quantos outros juízes no Brasil seriam atingidos pela regra.
Qual o argumento para não aplicar a lei? Segundo o voto predominante do ministro Gilmar Mendes a restrição viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Afirma-se que não é possível exigir que os juízes conheçam a carteira de clientes dos escritórios de seus parentes. Já a AMB, Associação de Magistrados Brasileiros, diz que os juízes precisariam exigir dos parentes uma lista diária da relação de seus clientes e poderiam ser penalizados por informações que estão com terceiros.
Dois pontos merecem nossa reflexão. O primeiro é elementar. As regras de impedimento e suspeição têm nítido caráter moralizante e em princípio autorizariam inclusive uma interpretação extensiva e não restritiva ou flexível. Também não merece aplausos o esforço do legislador processual que não primou na redação do citado artigo 144, inciso VIII acima citado de bom rigor técnico ao não prever de modo mais direto um meio de evitar tais situações em um raio de ação talvez mais curto, porém mais certeiro.
É curioso também notar a aparente falta de advertência dos grandes processualistas brasileiros em seus comentários às novas regras de impedimento e suspeição. Por que nenhum deles chegou à mesma conclusão do STF? Quem estaria com a razão? A doutrina ao não ver nenhuma anomalia ou ausência de aplicabilidade na regra impugnada ou o STF por sua maioria?
Lamentavelmente, mais uma vez, o resultado do julgamento do Supremo dá alguns passos que podem ser chamados de retrocesso ao atendimento do princípio da moralidade administrativa. Este último princípio, aparentemente o legislador processual procurou resguardar, ainda que, na visão do STF, de forma defeituosa e tudo isso quase na mesma semana em que o mesmo Tribunal em nome da mesma imparcialidade instituiu o juiz de garantias.
A pergunta que fica: será que o STF não poderia ter sido mais criativo para não fulminar tais regras, dando-lhe uma interpretação conforme à Constituição? Novamente é necessário a matéria voltar ao Congresso que tem o dever, neste como em muitos casos, de legislar, dessa vez, espera-se, de forma mais inteligente.
Marcelo Figueiredo, advogado e consultor jurídico, é professor de graduação e pós-graduação de Direito Constitucional e Direito Constitucional Comparado da PUC-SP.
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