O pressuposto das políticas de conteúdo local é acreditar que a canetada é suficiente para maximizar a participação das empresas nacionais fornecedoras de bens e serviços para a indústria de petróleo e gás natural. A ideia é que produziremos mais plataformas, navios e sondas. Essa política começou de forma discreta, na década de 1990, com exigências nos editais das licitações de blocos exploratórios. Em 2003, no governo Lula, foi institucionalizada pelo Decreto 4.925, e batizada de Prominp.
Agora, a ideia é perpetuar o conteúdo local, a partir da oficialização da política em lei do Congresso Nacional. Aparentemente, muito melhor uma lei que um edital do leilão de petróleo. Entretanto, a maior robustez normativa, nesse caso, é um retrocesso!
Temos, com o pré-sal, uma oportunidade sem precedentes, mas a janela de oportunidade é curta
A exigência de conteúdo local mínimo nada mais é do que uma reserva de mercado. Como toda política protecionista, prejudica os consumidores porque impede que haja ampla competição e redução de preços. Além disso, atrapalha a qualidade dos produtos ofertados. A reserva induz a ineficiência e atraso tecnológico. No médio prazo, diminui a competitividade da indústria protegida e, consequentemente, de toda a sociedade. O que era para ser uma proteção acaba por, no fim do dia, trazer a morte de um setor, com consequências ruins para investimentos e empregos.
Exemplos? Não precisamos ir longe, basta olharmos nossa história. Há insucessos aqui mesmo no Brasil, como nos setores protegidos pela Lei da Informática de 1984, que engessou o desenvolvimento econômico e chegou a favorecer a pirataria de hardware e software. Ou, mais recente, o protecionismo assegurado aos motoristas de táxis, quase como um monopólio do serviço de transporte.
A verdade é que a proteção é uma restrição à liberdade do consumidor!
A política de conteúdo local para o setor de petróleo e gás sofre com excesso e detalhamento de regras, índices e burocracias de controle e fiscalização. Tem gerado atrasos na entrega de plataformas e, consequentemente, reduz a curva de produção de petróleo e gás natural no Brasil. É uma situação incompatível com nossa realidade. E conflitante com nosso potencial.
Temos, com o pré-sal, uma oportunidade sem precedentes, mas a janela de oportunidade é curta. Hoje há demanda para petróleo e gás. Mas o mundo está no meio da revolução energética de substituição de fósseis por fontes renováveis. Há diversas estimativas sobre o fim da era do petróleo; a divergência é somente na escala temporal. Corremos o risco de guardar o dinheiro debaixo do colchão e morrermos pobres. Literalmente, deixando o petróleo enterrado no fundo do mar.
O conteúdo local tranca essa janela de oportunidade. Impede o pleno aproveitamento desse potencial gigantesco, onde há espaço suficiente para participação de empresas brasileiras e estrangeiras, em bases competitivas, sem artificialismos. Com alta escala produtiva, o custo de extração no pré-sal já atingiu US$ 6 por barril. Já é comparável com países do Oriente Médio. A tendência é reduzir mais.
Apenas os leilões de petróleo desse ano devem render à União, aos estados e aos municípios mais de R$ 100 bilhões. Pouco se fala, mas essa é uma cifra comparável com o esforço anual que a reforma da Previdência se propõe a solucionar. Contribui para o equilíbrio fiscal. Mais importante, a partir de uma atividade produtiva no país, com mais renda, mais investimentos e mais empregos. Mas esse resultado depende de um ambiente concorrencial na indústria de petróleo. É requisito inalienável.
Ricardo Borges Gomide é especialista em políticas públicas na área de energia e trabalhou por 18 anos no Ministério de Minas e Energia.