O presente do futebol brasileiro é catastrófico, mas o Brasil tem uma virtude de sotaque alemão: sofremos de Alzheimer social para algumas questões públicas, termo esse ressignificado da sua origem latina res publica, coisa do povo, para o brasiliês res publica: coisa de ninguém. Aquela goleada vexatória aos poucos vai se dissipando da mente consciente e o gosto amargo na boca ao despertar, resultado de noites de sono maldormidas, vai, aos poucos, cedendo lugar a outros sabores e texturas de nosso agitado país de emoções e de contradições. Nada como um bom clima de eleição para despistar a angústia. Che Guevara, se fosse brasileiro, quiçá inflaria o peito de um sentimento de brasilidade e bradaria, aos 26 estados e ao Distrito Federal: Aquí ainda hay bundas! Aliás, é dele a frase "derrota após derrota até a vitória final!" Perdemos a Copa, mas ainda nos restaram o samba, o carnaval e o exoesqueleto.
O futebol caminha a largos passos. Tortos, mas largos. Recordo um tempo passado em que um ex-presidente fazia metáforas do futebol para explicar a política. Na verdade, aquilo não eram metáforas: ele estava falando de futebol mesmo. O mérito metafórico sempre foi dos intelectuais que interpretaram os chavões "o time tem de jogar unido", "quem não faz toma" e "em time que se ganha tem de mexer, ou vai esperar perder?", e tantos outros. O futebol é um microcosmo do funcionamento do país: nossos representantes choram quando cantam o hino diante do povo, funcionam como um bando de amadores, cada qual ajeitando cuidadosamente o seu topete e executando números teatrais incríveis em simulações de faltas, pênaltis e licitações. Performance teatral, verve e simulação: esses Oscars nós levamos. "Óscares lumbricoides" para a seleção parasitária brasileira.
É difícil convocar a seleção perfeita, mas isso não é desculpa para montar uma seleção fajuta. Aliás, na organização da Copa, a coisa mais acertada foi a escolha de um mascote com o nome de Fuleco. O Fuleco é um tatu-bola-da-caatinga, organismo também ameaçado de extinção, que tem origem na fusão de futebol com ecologia. Dava para criar a namorada do Fuleco, em homenagem à seleção brasileira: a Fuleca, resultado da junção de futebol com eca. O povo brasileiro ri da própria desgraça, não porque tem bom humor, mas porque não lhe é dada a oportunidade de escolha. Ou ri ou desce! Como não tem como descer, vamos rir, porque rir é melhor que chorar. E se vier uma desgraça maior, nas eleições? Aí, sim, vamos chorar, chorar de tanto rir! Esse é o riso do brasileiro que ama o seu país: um riso triste.
Fernando Botto Lamoglia, psicólogo, advogado e escritor, mestre em Educação, especialista em Direito e Negócios Internacionais e em Saúde Mental, Psicopatologia e Psicanálise, e docente de Negociação e Gestão de Conflitos do MBA EBS
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