A PEC 188/2019, que trata da necessidade de comprovação de sustentabilidade financeira dos municípios, tem como principal objetivo restringir a existência de unidades com até 5 mil habitantes cujo produto da arrecadação dos tributos não corresponda ao mínimo de 10% das receitas brutas. A ideia é incorporar os municípios que dependem de recursos de repasses do governo federal, por outros municípios, com o objetivo de criar maior sustentabilidade fiscal – concepção bonita no papel, mas inexequível no mundo político.
O fim de municípios não irá resolver os problemas orçamentários do Estado brasileiro
A proposta é um atropelo constitucional, esbarrando em diversos aspectos que devem ser revistos e considerados, além de ser de difícil tramitação no Congresso Nacional; afinal, necessita do aval daqueles que dependem de votos e, como de praxe no governo Bolsonaro, é uma proposição pouco debatida e estudada pela base aliada.
A criação de um município possibilita que o contingente populacional daquela localidade possa exercer direitos políticos por meio de eleições e criar representantes eleitos. Os municípios cumprem um papel fundamental para o exercício dos poderes políticos, estabelecimento de processos civilizatórios e para a manutenção e organização das elites políticas. Impossibilitar esse exercício é fechar a porta para a representação do cidadão e abrir a janela para a sensação de não pertencimento ao sistema político daqueles que residem em pequenos municípios – um tiro no peito daqueles que clamam pelo exercício da cidadania.
Isso não é problema da nossa Constituição e sim das autoridades políticas que, de forma irresponsável, incentivaram a criação de inúmeros municípios na década de 90 e início dos anos 2000. Um julgamento emblemático do STF sobre o tema foi a criação do município baiano de Luís Eduardo Magalhães, à revelia da Constituição, para atender os caprichos de um líder político poderoso. O estudo de viabilidade do município veio a público depois da realização da consulta popular por meio de plebiscito, estabelecendo uma situação que fragilizou o texto constitucional sob a tutela do Supremo Tribunal Federal. Tudo bem; hoje, Luís Eduardo Magalhães é um município em pleno desenvolvimento, mas sua discussão no STF gerou reflexos nefastos na nossa visão sobre o federalismo brasileiro.
Pensar em sustentabilidade financeira é importante, é uma forma de criar sustentabilidade para a máquina pública, mas estabelecer isso após a criação de diversos municípios é o mesmo que derrubar as bases de uma edificação ao término de sua construção. O trator do governo não pode quebrar princípios básicos do nosso texto constitucional, como a autonomia dos entes federados, presente no artigo 18 da Constituição Federal, apenas porque o ministro da Economia considera os mesmos insustentáveis economicamente.
O fim de municípios não irá resolver os problemas orçamentários do Estado brasileiro, mas simplesmente fechará estruturas do poder político municipal, que, apesar de pequenas, criaram, por meio da autonomia, um poder político razoável capaz de resolver problemas de forma mais confiável que no passado.
Francis Augusto Goes Ricken, advogado e mestre em Ciência Política, é professor do curso de Direito da Universidade Positivo.
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