Foi mundial a repercussão da escritura pública de união estável entre três mulheres, lavrada em outubro, no 15.º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, pela tabeliã Fernanda de Freitas Leitão. Ela alegou que o fundamento para sua decisão seria o mesmo do Supremo Tribunal Federal (STF) quando do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Afirmou, também, que desde a Constituição Federal de 1988 o afeto é a base do Direito de Família e que, no âmbito do Direito Civil, o que não está proibido está permitido.
A notícia chegou tempos depois do caso da escritura pública de união estável lavrada em Tupã, interior de São Paulo, mas agora com nova configuração: no caso fluminense são três mulheres em vez de um homem e duas mulheres, que foi o caso paulista. Tanto naquela oportunidade quanto agora a notícia repercutiu muito mal em todo o mundo, pois denotaria, embora indevidamente, uma guinada do Brasil em direção à poligamia.
Deve ser notada a sedução que reside no emprego de expressões como “poliafeto” ou “poliamor”, expressões enganosas e utilizadas para disfarçar o seu real significado, que é o de poligamia. O direito somente tutela o afeto em caso de relações lícitas, válidas e que acatam a ordem jurídica. A nossa sociedade não aceita a poligamia, que não tem suporte em nosso ordenamento jurídico.
“Poliafeto” ou “poliamor” são expressões enganosas e utilizadas para disfarçar o seu real significado, que é o de poligamia
Os direitos à liberdade e à felicidade têm limitações inerentes às normas de organização da sociedade. Se alguém quer viver uma união poligâmica, nada o impedirá, mas não serão atribuídos efeitos de direito familiar ou sucessório.
A escritura do trio não tem eficácia jurídica, viola os mais básicos princípios, as regras constitucionais sobre família, a dignidade da pessoa humana e as leis civis, assim como contraria a moral e os costumes da nação brasileira.
A escritura lavrada no Rio de Janeiro é nula e de nada servirá a essas três mulheres, uma vez que a Constituição Federal atribui à união estável a natureza monogâmica, formada por duas pessoas, como diz a Constituição Federal em seu artigo 226, § 3.º.
O Código Civil brasileiro, no artigo 1.723, caput – após o acórdão proferido pelo STF na ADI 4.277 –, reconhece a união estável como entidade familiar formada por duas pessoas, sejam de sexo diferente, sejam do mesmo sexo. Ao contrário do que afirma a tabeliã, o Supremo Tribunal Federal não desvinculou o instituto da união estável de sua natureza monogâmica.
Ademais, a poligamia é rejeitada pelo STJ. Cite-se acórdão proferido no Resp. 1.348.458/MG, tendo como relatora a ministra Nancy Andrighi, que assentou que a fidelidade compõe o conceito de lealdade, sendo desprovida de efeitos jurídicos a união que se forma por mais de duas pessoas.
Ainda deve ser observado que a pretensão do trio em gerar um filho por meio de inseminação artificial encontrará óbice se a esta gestação se seguir a tentativa de registro triplo de maternidade. Isso porque o STJ também adota posição contrária à multiparentalidade, como se conclui do Resp. 1.333.086/RO, julgado em 6 de outubro de 2015.
A escritura do trio, portanto, não gera efeitos familiares e sucessórios, sendo desprovida de eficácia entre seus subscritores e em relação a terceiros, entes públicos e privados.
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