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Nestas eleições, um dos pontos mais levantados contra o candidato Lula diz respeito à sua idoneidade, especialmente por conta de o petista ter ficado preso por nada menos do que 580 dias. Apesar disso, hoje, o que a sociedade vê é Lula não só em liberdade, mas no páreo da corrida presidencial – e afirmando sua inocência. Para entendermos se Lula teve ou não a absolvição, se foi ou não inocentado pela Justiça, é importante lembrarmos alguns eventos relacionados à prisão do, hoje, “ex-presidiário presidenciável”.
Em 7 de abril de 2018, em razão do Caso do Triplex, o ex-presidente foi preso porque havia sido condenado a cumprir pena de 9 anos e 6 meses. Na segunda instância, essa sentença foi confirmada e aumentada para 12 anos e 1 mês.
Em razão do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) naquele tempo, Lula foi preso para cumprir essa condenação, embora tenha continuado a recorrer perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, que reduziu a condenação do atual candidato a 8 anos e 10 meses.
Em novembro de 2019, Lula foi solto não porque sua condenação havia sido revista pelos tribunais de Brasília, mas por conta de o Supremo Tribunal Federal, em outro processo, ter mudado seu entendimento acerca do momento em que seria constitucional dar cumprimento a sentenças condenatórias, que passou a ser o trânsito em julgado.
Ou seja, Lula e tantos outros condenados não foram colocados em liberdade por serem inocentes, mas por estarem articulando diversos recursos perante as cortes superiores e, assim, adiando o trânsito em julgado. Seria só em março de 2021 que o Supremo Tribunal Federal analisaria a condenação de Lula no plano de dois habeas corpus impetrados por seus advogados.
No primeiro deles, julgado pelo ministro Edson Fachin, foram anulados os atos decisórios do processo no qual Lula foi condenado e de outros processos nos quais o petista também era réu, em virtude de o ministro ter entendido que a Justiça Federal da 4ª Região não tinha jurisdição sobre os fatos tratados nessas ações.
Contudo, ainda em março de 2021, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em um placar de 3x2, no plano de outro habeas corpus articulado em prol do petista, decidiu que Sérgio Moro era suspeito para julgar os casos envolvendo Lula, o que também culminou na anulação dos processos conduzidos pelo ex-juiz em questão.
Os efeitos práticos dessas decisões foram a anulação das decisões judiciais de Sérgio Moro, a elegibilidade do petista e, após remessa dos autos ao juízo competente, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, o que significa que Lula não poderia ser processado nem perante o juiz competente para julgá-lo.
Essas consequências práticas, revelam que o Supremo Tribunal Federal nunca analisou o conjunto fático-probatório da condenação de Lula para afirmar sua inocência. O que ocorreu foi uma anulação, que equivale ao ato de “deletar” do processo uma certa decisão, pelo que é possível afirmar que a Justiça nunca declarou a inocência de Lula e que sua “absolvição” é entoada em discursos políticos apenas de maneira retórica.
Portanto, Lula é, juridicamente, tão inocente como todos aqueles que, apesar de diversas provas em seu desfavor, nunca foram punidos em razão da prescrição ou da anulação sem qualquer análise do mérito do processo de sentenças condenatórias. Mas é incorreto aplicar o termo absolvição ao caso de Lula.
Contudo, é inerente ao processo democrático que Lula tenha que, entre outras coisas, lidar com as conclusões que cada eleitor irá tirar em relação ao acontecimento histórico de sua condenação e a todos os fundamentos que a embasaram, os quais foram construídos não só por Moro, mas por julgadores da segunda instância e do Superior Tribunal de Justiça, que nunca foram declarados parciais pelo Supremo Tribunal Federal.
Lincoln Domingues é especialista em Direito Penal e sócio do escritório L. Domingues Advogados.