Histórica a solenidade de posse da ministra Ellen Gracie Northfleet como presidente do Supremo Tribunal Federal. E não apenas porque uma mulher ocupa pela primeira vez a mais alta corte. Carregada de simbolismos explícitos, teve significados menos evidentes e mais importantes: raras vezes foi o chefe da Nação colocado diante de tão penosos constrangimentos públicos como na última quinta-feira na praça dos Três Poderes.
Pior do que ouvir o que disseram o procurador-geral da República e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil a respeito da crise que atravessa a República foi a obrigação de não respondê-los. O rigoroso protocolo impediu que o chefe do Executivo se manifestasse no olimpo do Judiciário, mas 24 horas depois o continuado silêncio do presidente Lula tem mais valor do que um eventual rasgo de eloqüência.
As pífias reações dos seus representantes na Câmara e Senado na mesma tarde e a sua própria manifestação nesta sexta-feira a respeito da inclusão social e crescimento econômico numa rotineira inauguração apontam para uma perigosa dissociação.
Resignado com a derrota moral cujos registros são cada vez mais constantes e estridentes, o governo aferra-se aos resultados no plano da sobrevivência cotidiana. Com isso oficializa uma esquizofrenia que em outubro poderá produzir um impasse não muito diferente daquele que resultou das últimas eleições italianas. Com idênticas probabilidades de ruptura.
Ao optar pela indiferença diante do clamor contra a degradação institucional, longe de se fortalecer, o governo emite a mesma mensagem utilizada no passado por Paulo Maluf e agora por Anthony Garotinho quando flagrados em ilícitos: "não é comigo".
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem o direito de se considerar acima de qualquer suspeita, mas não podem ficar sem resposta as candentes afirmações feitas na solenidade do STF pelo presidente da OAB, Roberto Busato, e, principalmente, pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. Eram os representantes legítimos do Estado de Direito que manifestavam seu repúdio ao status quo e o responsável pelo status quo não poderia ficar insensível a constatações tão claramente expostas.
O local, a majestade da ocasião e, sobretudo, a presença dos chefes dos poderes da República conferiam ao que foi dito uma ressonância e uma perenidade que não podem ser minimizadas. Entre aquelas paredes, além de jurisprudência, se produzem sentenças e juízos, ali está registrada parte da nossa história política. Se o presidente da República não fez o devido cruzamento entre o teor do que foi dito com a circunstância em que o ouviu conviria convocar o ministro da Justiça (também presente), para a necessária tradução.
Sob o ponto de vista estritamente eleitoral, a tática adotada pelo governo parece apropriada. Ao desconsiderar a existência da "sofisticada operação criminosa" instalada no coração do Estado o governo imagina que desligou o sinal de alarme. Na verdade, está consolidando os elementos para montar uma prova de cumplicidade.
As pesquisas favoráveis ou mesmo a reeleição não podem ser encaradas como prova de inocência ou atestado de probidade mas podem significar um divórcio irremediável entre a política e a moral. Não se faz justiça social desdenhando os princípios elementares do Direito. Uma inclusão social construída em cima de crimes ainda que "apenas" na esfera eleitoral está fadada a desmoronar na primeira oportunidade.
A cerimônia que marcou um novo capítulo na história da igualdade no Brasil e permitirá que dentro de duas semanas uma mulher ocupe pela primeira vez a Presidência da República (ainda que por alguns dias), pede um desfecho diferente. Pelo menos, mais altivo e digno.
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