A fosfoetanolamina sintetizada nos laboratórios da USP infelizmente é, hoje, o símbolo de tudo aquilo que nós, médicos e pesquisadores, precisamos evitar. O compromisso da ciência é com a verdade e o do médico é com o paciente. Desta inter-relação dependem a segurança e o progresso no tratamento e na prevenção das doenças aqui e em todo o mundo.
As pesquisas médicas com novos medicamentos seguem uma sequência lógica e bem estruturada de passos. Eles não podem ser simplesmente suprimidos ou desprezados. A essa sequência lógica e bem estruturada chamamos de método científico. Somente através dele é que podemos afirmar ou refutar novos tratamentos ou formas de diagnosticar as inúmeras doenças que nos acometem todos os dias.
Os estudos clínicos com seres humanos são realizados depois que uma nova droga (que é como denominamos um composto antes de ele ter sua eficácia comprovada clinicamente) já passou por diversos estudos in vitro e em animais, denominados estudos pré-clínicos. Nesta fase inicial refutam-se centenas e até milhares de drogas que poderiam trazer riscos para o uso em humanos ou que simplesmente não seriam úteis para o tratamento de doenças.
Não podemos, como médicos, prescrever algo sem a devida comprovação científica
Nos estudos com seres humanos (que vêm depois dos estudos pré-clínicos) existem quatro fases. Resumidamente, a primeira delas emprega voluntários saudáveis ou pacientes terminais, com o objetivo de avaliar toxicidade. A segunda e a terceira fases avaliam principalmente a resposta ao tratamento. A última fase avalia o medicamento quando ele já está no mercado, com o objetivo de encontrar efeitos colaterais que não tenham aparecido nos estudos anteriores. Todas essas fases devem ter sua aprovação por comitês de ética em pesquisa e ser rigorosamente monitoradas em sua segurança e toxicidade.
Pesquisa clínica requer tempo e tem custos bastante elevados – não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Poderíamos melhorar isso no nosso meio reduzindo burocracias desnecessárias e diminuindo as despesas. E isso é urgente no nosso país. Porém, o que está em jogo aqui é algo diferente. O que se está buscando aqui é simplesmente passar por cima do método científico e disponibilizar algo cujos critérios científicos ainda não completaram – ou nem começaram – seu ciclo para podermos aceitar ou refutar a hipótese de que a fosfoetanolamina possa ser utilizada com segurança em pacientes oncológicos.
Na década de 90, um médico italiano criou o chamado “método Di Bella”. Também prometia a cura fácil para o câncer sem ter passado pela rigidez do método científico. Gerou, na época, algo muito parecido com o que estamos vivenciando agora no Brasil. Ao se testar cientificamente o método, não foi comprovada a sua eficácia. Da mesma forma com tantos outros supostos tratamentos, que acabaram sendo abandonados. Com o uso da cartilagem de tubarão, por exemplo, demonstrou-se apenas um aumento no cálcio no sangue dos pacientes (o que era esperado!), mas sem nenhum benefício para a sobrevida ou para a qualidade de vida.
A fosfoetanolamina é hoje tecnicamente apenas mais uma droga (no sentido técnico), que pode ter sua eficácia comprovada ou refutada em estudos bem delineados e criteriosos. Antes disso, disponibilizar ou facilitar o acesso a ela com a promessa de cura do câncer pode estar colocando em risco os pacientes e gerando falsas esperanças a respeito de uma doença grave e altamente complexa. Não podemos, como médicos, prescrever algo sem a devida comprovação científica. Agindo assim, ferimos o compromisso com a verdade e com a segurança dos nossos pacientes.
Não estamos, assim, retirando a esperança daqueles que estão sofrendo, mas criando a possibilidade de que ela se torne real.
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