Meio de troca, unidade de conta e reserva de valor. Estas são as três principais características que transformam a moeda em um ativo que circula na sociedade. Tomemos o real como exemplo. No Brasil, podemos ir a qualquer estabelecimento comercial e essa moeda é aceita como meio de troca, além de como unidade de conta para que o seu proprietário calcule os lucros e prejuízos do negócio. Mas qual é o desempenho do real como reserva de valor?
O objetivo de uma reserva de valor é transferir poder de compra do presente para o futuro. Passados 27 anos desde a sua criação, o real já perdeu 85% do seu poder de compra. Mesmo performando melhor que suas antecessoras, essa depreciação, agravada em muito pela pandemia, é muito nociva para os brasileiros, principalmente das classes C e D, que englobam mais de 30 milhões de indivíduos que nem sequer possuem conta bancária. Para o cidadão comum, visitar o supermercado está sendo uma experiência desafiadora, e o índice de inflação acumulado de 9,68%, referente ao IPCA dos últimos 12 meses, não representa o que ele vê nas prateleiras.
Por mais que o MTST invada a Bovespa para protestar contra o mercado financeiro, ou que o seu professor da faculdade tente explicar que os preços sobem na prateleira devido à ganância dos empresários, a verdade é que inflação é um fenômeno monetário caracterizado pelo aumento excessivo de oferta de moeda, política essa que o governo usa para financiar os gastos públicos e “aquecer a economia”. Essa prática é muito popular entre os governos, pois traz euforia no curto prazo e, principalmente, porque costuma ser paga no longo prazo, pelas gerações futuras, ou seja, fora do mandato do governo atual.
Parece muito belo “salvar a economia” inflando o agregado monetário e injetando liquidez, com base em um modelo macroeconômico que simplifica o mercado como um mecanismo homogêneo. Mas, ao avaliar a heterogeneidade do mercado, entendemos que essas políticas são uma forma silenciosa de transferência de renda (efeito Cantillon) em que os primeiros beneficiários são aqueles que recebem esse dinheiro novo na sociedade (sejam eles governantes, empresas de infraestrutura, bancos...) à custa da desvalorização do poder de compra daquele que está mais distante do ponto de entrada, o cidadão comum antes mencionado, que aqui podemos chamar de vítima.
Parece muito belo “salvar a economia” inflando o agregado monetário e injetando liquidez, com base em um modelo macroeconômico que simplifica o mercado como um mecanismo homogêneo.
Buscar poupar, pensando no longo prazo, para prover um futuro melhor à família é um duro desafio para o brasileiro; é como tentar subir uma escada rolante ao contrário, impulsionada pela impressão de dinheiro. Aqueles que têm maior acesso à informação e conseguem montar uma boa carteira de investimentos, ou que possuem boas reservas de valor como imóveis, superam esse movimento contrário. Como visto acima, todavia, esta não é a realidade da maioria. Ao entender isso, a música Xibom Bombom nunca fez tanto sentido.
Após enfrentar diversos ciclos econômicos, ondas de inflação e deflação, Friederich Hayek escreveu o livro Desestatização do dinheiro, em 1976. Nesta obra, o economista austríaco demonstra como existe um incentivo extremamente perverso quando a instituição que faz políticas públicas é a mesma que coordena e regula as políticas monetárias (ambas na mão do Estado). Assim, a inflação sempre foi utilizada como ferramenta para financiar políticas populistas, para “salvar” mercados ineficientes e até mesmo para financiar guerras, em lugar da impopular tributação, silenciosamente furtando as reservas da grande massa: “Não há nada mais urgente do que dissolver o casamento ilegítimo entre as políticas fiscais e monetárias, casamento este que, se foi clandestino durante muito tempo, acabou sendo consagrado com a vitória da economia ‘keynesiana’”, diz Hayek.
Em sua obra, o visionário Hayek já propunha como solução desvencilhar o banco central do Estado, forçando-o a competir com outros “bancos centrais”, criando uma espécie de mercado de moedas cujos emissores disputam clientes que buscarão os ativos que melhor refletem as três características comentadas no início deste artigo. Para ele, nada melhor do que o fim do monopólio, bem como o interesse próprio dos agentes para garantir a estabilidade da moeda. Mas como o Estado poderia abrir mão de uma de suas maiores, se não a maior, fonte de poder?
A boa notícia é que, mais de três décadas após a publicação de Desestatização do dinheiro, alguém (ou um grupo de indivíduos) que atende pelo pseudônimo Satoshi Nakamoto criou o agora conhecido Bitcoin. Esse é um ativo digital, escasso, totalmente descentralizado, inviolável e que não tem nenhum emissor que pode controlar a sua oferta. Por essas características, nos últimos 12 anos, o Bitcoin está provando ser uma excelente reserva de valor de médio e longo prazo, apesar de ainda enfrentar problemas de volatilidade no curto prazo. E não apenas isso: a tecnologia inovadora por trás da criptomoeda abriu espaço para um mercado aberto de moedas, tão sonhado por Hayek na década de 1970, e que não tem nenhuma barreira geográfica atualmente. Mesmo que tenhamos exemplos como o da China, que anunciou, em 24 de setembro, novas restrições sobre a mineração e comercialização de criptomoedas no país, a tecnologia não parece recuar.
Já são milhares de diferentes criptoativos que buscam soluções descentralizadas e seguras para desvincular o poupador comum das perversas políticas monetárias dos governos. Estamos no meio de uma espécie de revolução silenciosa que impacta a forma como lidaremos com o dinheiro no futuro, uma esperança ao poupador de baixa renda que se vê na obrigação de gastar seu dinheiro rapidamente ao ver a disparada dos preços dos produtos de subsistência, e que agora vislumbra uma solução prática para acelerar o processo de enriquecimento de sua família.
Gabriel Maradei é formado em Engenharia Mecânica, pós-graduado em Escola Austríaca e associado ao IFL-SP.
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