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| Foto: Jim Watson/AFP

Se a premissa usada é de que o mundo passa, hoje, por uma disputa normal entre diferentes partidos com suas distintas visões ideológicas, dentro de limites razoáveis, então a postura esperada de liberais e conservadores será uma; mas, se a premissa é a de que o mundo atravessa uma batalha de vida ou morte, em que os valores mais básicos que permitiram ao Ocidente ser a civilização mais avançada de todas estão ameaçados, então a reação natural será claramente outra, bem diferente.

É esse, basicamente, o grande dilema que tem atormentado liberais clássicos e conservadores de boa estirpe, aqueles que representam a dita direita. Ela está cada vez mais dividida entre aqueles que tampam o nariz para inúmeros defeitos das lideranças nacionalistas e populistas que surgiram na política, por julgarem que há algo maior em jogo – derrotar um inimigo comum bem mais perigoso –, e aqueles que não aceitam sacrificar determinados princípios em troca do pragmatismo.

Como um legítimo liberal pode apoiar Trump? Como um conservador decente pode defender Marine Le Pen? Aceitemos a realidade: não é tarefa fácil. Assim como é preciso admitir outro fato incômodo: há muita gente tosca e autoritária na “nova direita”, pessoas com mentalidade binária, que idolatram seus “mitos” e “gurus” enquanto demonizam qualquer um que ouse discordar de uma vírgula de seu manual simplista: esses viram logo “socialistas”.

Feita essa ressalva, há algo que essas pessoas ao menos parecem ter compreendido, ainda que intuitivamente e sem o devido estudo, e que certos “liberais” não perceberam: talvez exista mesmo uma grande conspiração para dominar o mundo. E não precisamos, aqui, pensar em Darth Vader reunido numa sala com seus discípulos do Mal, ainda que George Soros em Davos possa se aproximar dessa imagem. Basta pensar que muitas figuras poderosas desejam mudar essencialmente a América e o Ocidente, transformando-os em algo completamente diferente daquilo que conhecemos.

Voltamos ao debate da premissa acima. Se o Partido Democrata e o Partido Republicano são apenas representantes de legítimas discordâncias para a complexa vida em sociedade, então essa postura tribal será inadequada, e a metáfora da guerra levará apenas a um clima de polarização radical, de “nós contra eles”, que muitas vezes impede um debate civilizado e construtivo. Mas e se o Partido Democrata tiver se transformado, ao longo do tempo, realmente em algo um tanto radical, que pretende destruir cada pilar básico que fez da América o que ela (ainda) é hoje?

Muitas figuras poderosas desejam mudar essencialmente a América e o Ocidente

Há farta literatura que aponta nessa direção, que comprova a radicalização da esquerda americana. E pior: essa “revolução” foi silenciosa, ou seja, muitos nem sequer a notaram, o que a torna mais perigosa. Vários socialistas e mesmo comunistas sabiam, no passado, que os Estados Unidos jamais seriam esquerdistas se tal ideologia não fosse vendida com outro nome. Eis que o liberalismo foi usurpado, então, por essa turma, de forma um tanto consciente, e medidas que gerações anteriores veriam como claramente coletivistas e absurdas, em confronto direto com tudo aquilo em que os “pais fundadores” acreditavam, hoje são aprovadas e consideradas “moderadas”.

A imprensa teve papel preponderante nessa mudança, assim como as universidades. E não foi por acaso: muitos sabiam exatamente o que estavam fazendo. Isso não é teoria da conspiração; é confissão orgulhosa de vários desses pensadores, ou profecias que foram feitas décadas atrás e se realizaram. Mas claro que ninguém teria como tomar conhecimento disso se “informando” por essa imprensa cúmplice desse golpe, não é mesmo? Trata-se quase do crime perfeito.

Mas aí veio a internet, chegaram as redes sociais, e ficou impossível mascarar a realidade. Em parte, quando acusam as redes sociais pela polarização da política, estão denunciando o termômetro pela febre, confundindo causa e efeito. É verdade que elas podem até produzir um pouco desse ambiente de antagonismo, mas o grosso do fenômeno pode ser explicado com base no que essas redes sociais revelaram: a existência desse viés escancarado, a conivência de muitos jornalistas com esse establishment que vinha realizando mudanças estruturais sem a devida apreciação ou aceitação do povo.

Quais são os valores mais caros ao Ocidente judaico-cristão? De forma resumida, podemos falar nas liberdades individuais, na democracia representativa, no Estado de Direito, na meritocracia, na lógica, no conhecimento objetivo, na clareza moral, no amor à vida. E como negar que estão todos eles sob profundo ataque no mundo pós-moderno? Como fingir que não foram subvertidos pela esquerda “progressista”, que não acredita neles, que nem sequer acha que a civilização ocidental merece ser louvada, julgando-a, ao contrário, responsável pelos mais terríveis crimes da história da humanidade?

Do mesmo autor:Reação ou Europistão (25 de maio de 2017)

Bruno Garschagen:Os jacobinos da “nova direita” (coluna de 29 de maio de 2017)

É só compreendendo esse contexto que é possível entender a postura de muitos liberais e conservadores, acusados – injustamente, em minha opinião – de esquecer seus princípios em prol do pragmatismo. Quando se trata de uma questão de vida ou morte, antes de qualquer outra coisa é preciso sobreviver. Na Segunda Guerra Mundial, Churchill se mostrou um grande líder e estadista, mas não é preciso admirar tudo nele para admitir isso. Na Guerra Fria, os líderes americanos não eram perfeitos, mas a alternativa era o comunismo imperialista soviético, ou seja, a escravidão global.

O inimigo hoje mudou a embalagem, vestiu um manto “progressista” de moderado que oculta sua essência radical, revolucionária; mas ela continua lá, à espreita, pronta para colocar o mundo de cabeça para baixo. Banalização do aborto, drogas, hedonismo, vitimização de marginais, coletivismo, concentração de poder no Estado, degradação de valores morais, multiculturalismo, ecoterrorismo, disseminação do ódio e da luta de classes (dessa vez transferida para dentro dos lares das famílias), tudo isso faz parte das bandeiras desses “tolerantes” esquerdistas.

Pergunto: para derrotar isso, não é aceitável engolir Trump, ainda que com a ajuda de um Engov?

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
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