Robert Hutchins, menino prodígio em Yale. Maduro, diria: “Há pouca escolha entre o que aprendi numa Faculdade de Direito dos EUA e o que Hitler proclama.| Foto: Library of Congress/Domínio público
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Nesta época, as pessoas começam a postar recomendações dos livros mais significativos que elas leram ao longo do ano. Pensei em oferecer algumas reflexões sobre um livro que tem estado muito na minha mente desde quando o reli num seminário que dei para a graduação no semestre passado. O título do curso era “Ciência, tecnologia e filosofia política”, e o livro era A crise da teoria democrática: O naturalismo científico e o problema do valor, de Edward A. Purcell Jr. É um livro atípico para “recomendar”, não tanto por ter sido publicado há quase cinquenta anos, em 1973. Dificilmente é um título incendiando as listas de mais vendidos. Além disso, há a peculiaridade de ser um livro bem acadêmico em todos os sentidos: um livro escrito para acadêmicos sobre a academia por um acadêmico. Ainda por cima, parece ser um livro de interesse relativamente estreito, focado na ascensão e no desenvolvimento ciências sociais durante os dois primeiros terços do século XX, bem como nas personalidades que as povoaram.

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Li o livro pela primeira vez na graduação, há mais de trinta anos. À época, era um texto obrigatório no curso de epistemologia e ciência social. Junto com textos assinados por Dilthey, Gadamer, Habermas, Rorty, Taylor e outros, esse livro se destacou em meio aos tomos filosóficos mais pesados: recontando, de maneira direta, os desenvolvimentos da ciência social acadêmica (amiúde por meio de breves sumários do trabalho de indivíduos proeminentes que trabalhavam no século XX), e entretecida com relatos da influência de eventos históricos daquele tempo, desnudou a maneira como várias disciplinas das ciências políticas, sociologia, economia, psicologia e (por tabela) o direito vieram a tomar a sua forma acadêmica atual.

Repito: aparentemente, coisa árida. Exceto pelo fato de que as ciências sociais hoje são, para todos os propósitos práticos, as “ciências mestras” dos fenômenos humanos, já que destronaram, durante o século XX, a filosofia e a teologia. Na maioria das faculdades, hoje, essas duas disciplinas estão encolhendo, ou então sendo simplesmente eliminadas, enquanto as ciências sociais (sobretudo economia, ciência política, sociologia e psicologia) continuam a atrair grandes números de estudantes. Mais ainda: vieram a predominar porque se acredita que elas fornecem fatos amplamente indisputáveis relativos à realidade humana, em contraste com as disciplinas de humanas, que eram dirigidas por valores, subjetivas e portanto “moles”. Quem quiser passar por expert em política, direito e sociedade, hoje, tem que falar na língua da ciência social; se possível, tendo na ponta da língua vários estudos e dados que embasam a sua parte. Ainda assim, ir além de informar os dados e formar as premissas relativas à superioridade dos dados empíricos em relação aos estudos humanos “mais moles”, é um pressuposto que outrora esteve entre os assuntos mais debatidos da empreitada acadêmica.

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Então as origens, a ascensão e o desenvolvimento dessas disciplinas (e, o que é mais importante, seus pressupostos filosóficos ocultos) são de suma importância se quisermos perscrutar o sistema operacional da ordem liberal.

Purcell conta uma história em três partes: primeiro, a ascensão de um confiante “naturalismo científico” nas várias ciências sociais, que resultou em dúvidas fundamentais quanto aos pressupostos igualitários, então existentes, que davam sustentação à teoria democrática (ou, como seria chamada, “fé democrática”); segundo, num desafio ao “naturalismo científico” em duas frentes, a saber, uma defesa dos valores humanistas imutáveis que eram apresentados pelos seus defensores (p. ex., Robert Maynard Hutchins) como inegociáveis, bem como a ascensão simultânea, na Europa, do fascismo, que desnudou algumas das implicações do abandono dos ideais de igual dignidade humana; e terceiro, a reação, no pós II Guerra, de uma nova ascendência dos cientistas sociais (liderados por John Dewey) que ligavam o “autoritarismo” dos fascistas à filosofia tomista de gente como Hutchins.

Os três atos, em resumo:

  • A ciência social, no começo do século XX, estava toda confiante no seu empreendimento de desmantelar a “democracia” em nome da eficiência e dos especialistas, especialmente “seguindo a ciência” que provava (de maneira suficiente, nas cabeças dos principais cientistas sociais) a desigualdade cognitiva (e até moral) fundamental entre os homens;
  • Figuras como Hutchins, menino prodígio e presidente da Universidade de Chicago, junto com um significativo número de companheiros de viagem católicos e tomistas, tais como Mortimer Adler, rejeitaram as implicações do “naturalismo científico”. Tais figuras procuraram antes restringir a proeminente ascensão da ciência social, defendendo, em seu lugar, valores objetivos fundados na natureza humana imutável e refletidos na tradição do direito natural. Na visão desses pensadores, só verdades inalteráveis e objetivamente cognoscíveis podem fortalecer a democracia contra o relativismo que estava levando os cientistas sociais ao culto dos especialistas e até ao fascismo político;
  • Depois de flertar com o fascismo, e no despertar da reviravolta que se seguiu à II Guera Mundial, importantes cientistas sociais fizeram uma mudança malandra na narrativa, alegando que o fascismo era essencialmente indistinguível das alegações de objetividade filosófica. De modo notável, alguns cientistas sociais que se inclinaram ao fascismo no começo do século XX agora denunciavam frequentemente os filósofos aristotélicos e tomistas que primeiro soaram o alarme quanto às implicações não-igualitárias da ciência social! Começamos a nos deparar com o rótulo “autoritário” aplicado frequentemente como par de fascistas e católicos. O fascismo e o catolicismo, alegava-se, insistiam em verdades objetivas que levavam inexoravelmente a políticas autoritárias. Aqueles que, notoriamente, criticaram primeiro o relativismo da ciência social eram agora etiquetados com o rótulo de “autoritário”, com seus acusadores reivindicando agora para si o rótulo “democrático”, conduzidos especialmente pelo filósofo John Dewey.

Essa série de conceitos – sobretudo atrelar a “democracia” ao relativismo moral, por um lado, e o “autoritarismo” a uma crença na objetividade metafísica, por outro – continuam sendo muito usados hoje. Assim, testemunhamos uma peculiar situação na qual aqueles que exaltam os “especialistas” e insistem que gente atrasada “siga a ciência” (qualquer que seja ela hoje) estão ao meso tempo nas barricadas da defesa da democracia; enquanto que aqueles que defendem os ideais da liberdade clássica e virtude (não raro católicos) não são só autoritários, como praticamente indistinguíveis de fascistas.

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Primeiro Ato: A afinidade do naturalismo científico ao fascismo

A ciência social chegou à proeminência institucional nas primeiras décadas do século XX. Concluindo que os sucessos comprovados das ciências naturais claramente destronaram qualquer outra abordagem do conhecimento objetivo, os métodos das ciências naturais foram importados pelas ciências humanas. Acreditou-se e esperou-se que o estudo empíricos dos fenômenos humanos, livre das amarras de valores morais, poderia oferecer um conhecimento análogo em campos como a política, a sociologia, a psicologia, a economia e o direito, e – mais ainda – levar a uma capacidade preditiva análoga e até ao poder de manipular e controlar os fenômenos estudados, ou seja, os seres humanos.

As ciências sociais estavam profundamente moldadas pelas crenças do progressismo, que incluíam (como sugere o nome) uma ordem natural que se definia por fluxo e mudança, o domínio do acaso cego em vez da ordem racional, e, ainda assim, a perspectiva de a ação humana controlar e dar a direção definitiva para mudar, que tomaria a forma do “progresso”. Como a maioria das pessoas tendia a se apegar aos seus costumes – sendo pouco inclinadas a abraçar o fluxo e a mudança –, elas eram amiúde vistas como empecilhos à realização do progresso. Uma forte preferência pelo governo e administração das elites e dos especialistas era um elemento chave da política progressista.

A pesquisa da ciência social (sem surpresas) tendeu a confirmar esses “preconceitos”. Purcell fala de uma crescente concorrência de descobertas que levava a contestar uma “fé democrática” então existente – isto é, aquilo que foi uma crença duradoura numa capacidade relativamente igualitária dos indivíduos de julgar, de modo capaz, suas circunstâncias e chegar a conclusões razoavelmente decentes e socialmente benéficas. Por volta dos anos 20, escreve Purcell, “as ideias de eficiência, expertise administrativa e objetividade científica […] cresceram rápido.” No mais das vezes, as formas políticas existentes impediam uma ordem social genuinamente racional e benevolente de emergir, levando a uma desilusão generalizada com as formas políticas existentes. "Uma crença na nova objetividade abriu o caminho para um papel prático na sociedade e na possível realização final dos métodos de controle, enquanto ao mesmo tempo suprimia quaisquer dúvidas morais e sociais quanto às consequências reais de suas ações." [Para as referências bibliográficas em inglês, veja-se o original aqui. (N. t.)]

Entre as descobertas científicas que confirmavam a perda da fé na democracia incluíam-se dados de QI que revelavam deficiências intelectuais generalizadas num grande leque da população dos EUA (os dados foram tirados dos testes de inteligência das tropas dos EUA, que já tinham sido filtradas para excluir os deficientes mentais, e assim esperava-se que fossem superiores à média). Os estudos em psicologia levaram os pesquisadores a concluir que decisões individuais eram, com maior frequência, o resultado de motivações imprevisíveis e irracionais, em vez de tiradas da avaliação objetiva e racional da informação disponível. Essas descobertas e outras nas várias disciplinas de ciência social levaram figuras importantes, como Walter Lippmann, a renunciar à sua “fé democrática”, argumentando, em A Preface to Politics, que “a melhor sociedade seria aquela em que um dos poucos líderes inteligentes dirigisse a maioria para canais de ação sábios e satisfatórios.”

Grandes cientistas sociais levaram esse argumento para várias direções. Harry Elmer Barnes, um professor de sociologia no Smith College, propôs formas de testes psicológicos que distinguiriam bons e maus cidadãos. Alguns cientistas sociais concluíram que essa diferenciação tinha uma base em diferenças raciais. Robert M. Yerkes, um ex-presidente American Psychological Association, defendeu que testes empíricos demonstraram que a desigualdade racial precisava ser considerada em quaisquer mudanças futuras na ordem política. Cientistas sociais de proa concluíram que “uma elite científica e administrativa seria capaz de ‘dirigir’ o governo popular segundo linhas racionais e objetivas.”

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Talvez o clamor mais influente para reavaliar a ordem existente dos EUA tenha vindo de Walter J. Shepard, presidente da American Political Science Association em 1934. Em seu comunicado presidencial, publicado em 1935 no principal periódico da disciplina (até hoje), o American Political Science Review, Shepard propôs uma “substancial reorganização do governo dos EUA.”  Segundo Shepard, “O dogma do voto universal deve dar lugar a um sistema de testes educacionais e de outra natureza, que hão de excluir os ignorantes, os desinformados e os elementos antissociais que até aqui controlaram as eleições com tanta frequência.” Buscando inspiração na Europa (uma prática popular entre progressistas àquela época e hoje também), Shepard concluiu que “se essa avaliação de uma possível reorganização do governo sugere fascismo, já reconhecemos que existe um grande elemento da prática fascista da qual devemos nos apropriar.”

A ciência social como um todo tendia a uma direção que, no fim, provavelmente teria levado à derrubada da “democracia” em favor de algum sistema alternativo de governo que rejeitasse a ideia de igualdade humana, valorizasse eficiência e expertise e clamasse pelo eclipse da “fé democrática” para seguir a ciência.

Ainda assim, hoje, andando pelos saguões do meu próprio departamento de ciência política, pode-se encontrar esse sinal enfeitando a porta de um dos meus colegas cientistas sociais:

Então, o que aconteceu? Como uma disciplina cujo presidente recomendava fascismo em seu principal periódico agora “❤️ democracia”?

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Primeiro, surgiu uma reação filosófica que apelava para as verdades metafísicas e objetivas nas quais os costumes, a justiça e o bem comum poderiam ser fundamentados. Depois, o caráter vicioso do fascismo se tornou evidente, levando a ciência social a uma prestação de contas – e a uma meia volta surpreendente, ainda que bem esquecida.

Segundo ato: O contra-ataque dos aristotélicos-tomistas

Vozes substanciais de oposição desafiaram o que estava se tornando uma ortodoxia reinante de naturalismo científico. A história de Purcell foca especialmente nos esforços de Robert Maynard Hutchins, o jovem presidente da Universidade de Chicago, e (coisa digna de nota) um diretor de faculdade que desafiava aquilo que enxergava como as crenças perigosas de sua faculdade, e até fez mudanças em prol de uma visão alternativa.

Hutchins chegou a Chicago vindo da diretoria de Yale Law School como um fiel fervoroso do “naturalismo científico”. Como professor de Direito, promoveu a ideia de que a lei poderia e deveria ser adjudicada conforme os seus efeitos, os quais poderiam ser medidos e até antecipados. Mas cedo, durante seu mandato como presidente, começou a duvidar de sua fé científica, e a repensar seus compromissos com o pragmatismo relativista, elitista e progressista que marcavam não só os seus compromissos anteriores, como eram a abordagem definidora das disciplinas reinantes em Chicago: as ciências sociais.

No período entre a I Guerra Mundial e o começo da II Guerra Mundial, Hutchins chegou por conta própria a uma posição aristotélico-tomista. Começou a fazer cada vez mais barulho denunciando o relativismo moral das ciências sociais, enxergando nos seus compromissos mais profundos uma ameaça à igualdade da dignidade humana. Ele clamou por um fundamento intelectual generalizado na metafísica (que deveria ser promovida pela academia), sobretudo, para verdades que são “a mesma para todos.” “A metafísica lida com os mais elevados princípios e causas”, argumentou, “logo, a metafísica é a mais alta sabedoria.” Rejeitando a adoção juvenil do pragmatismo legal, Hutchins passou a argumentar em bons termos tomistas que “a lei é um corpo de princípios e regras desenvolvido à luz das ciências racionais da ética e da política.” Só a lei baseada em verdades humanas e naturais imutáveis poderia alcançar uma condição objetiva de justiça, ordem e o bem comum, como oposto à mera (e interesseira) praticidade. Ele insistiu que o currículo da Universidade de Chicago refletisse o compromisso com a verdade eterna e duradoura, instituindo o famoso “núcleo” de Grandes Livros e contratando Mortimer Adler para liderar o novo programa.

John Dewey, outrora um importante cientista social na Universidade de Chicago e, àquela época, bem entrado em anos, confortável na Universidade de Columbia, lançou o que iria se tornar o principal desafio dos cientistas sociais contra gente como Hutchins, fazendo a seguinte acusação: “O Presidente Hutchins se evadiu completamente do problema de quem deve determinar as verdades definitivas que constituem a hierarquia [da verdade].” Para Dewey, o perigo de qualquer conhecimento da verdade era que isso necessariamente constituía uma reivindicação de autoridade final e indisputável. Seria melhor que todas as “alegações de verdade” fossem provisórias, significando, na prática, que aqueles que aceitassem o caráter provisório da “verdade” seriam os donos das melhores justificativas para deter o poder de uma maneria contínua, mas não “autoritária”.

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Por outro lado, Hutchins percebeu na posição de Dewey uma trajetória inexorável rumo à vontade de poder. Liberto das verdades objetivas e cognoscíveis, aquelas baseadas na natureza metafísica da realidade e governadas pela lei natural, a política era só uma base para o governo dos forte sobre os fracos. A trajetória das ciências sociais, e sua atração pelo fascismo e pelo governo do Übermensch, já era evidente na Europa. Em vez de ver a política europeia contemporânea como a promessa de “eficiência e expertise”, Hutchins viu debaixo de sua aparência moderna e progressista a política da crueldade e da dominação. Falando em 1938, Hutchins respondeu a Dewey: “E aqui se completa a jornada do homem de boa vontade até se tornar Hitler.” Mais tarde, Hutchins afirmaria: “há pouca escolha entre o que aprendi numa Faculdade de Direito dos EUA e o que Hitler proclama.” Para aqueles que desdenhavam da crença no bem e no mal objetivos, só sobrava o poder. A conclusão sumária de Hutchins era clara: “O naturalismo científico levou ao totalitarismo.”

Hutchins é retratado por Purcell como o general que comanda um vigoroso contra-ataque à dominância ascendente da ciência social, mas uma história similar poderia ser contada da resposta de instituições católicas. Hutchins era parte de uma ampla renascença do tomismo em instituições católicas, um tempo da firme convicção de que a crença na metafísica deveria mantida para fundamentar as perspectivas de justiça e bem comum. Sem medo de acusações de “autoritarismo”, os católicos concordavam com Hutchins em sua insistência no compromisso com a tradição clássica, em especial com a linhagem aristotélico-tomista. Como uma publicação jesuíta disse, “Só podemos sentir que ganhamos um aliado [com Hutchins].” Instituições como Notre Dame logo criariam programas de “grandes livros”, bem como publicações que defendiam uma visão metafísica e política distintamente católica; em particular, a Review of Politicsonde católicos e figuras simpáticas ao catolicismo regularmente publicavam ensaios e artigos defendendo uma visão aristotélico-tomista do bem comum. A Faculdade de Direito de Notre Dame criou o Natural Law Institute [Instituto de Direito Natural], que sediou uma série de conferências sobre direito natural e sua antipatia em relação ao pragmatismo de Dewey. Figuras como Hutchins eram exceção na cultura acadêmica dominante; ainda assim, foi o seu destaque na promoção de alegações essencialmente católicas que, por um breve período, pareceu antecipar a ascendência de um genuíno “Momento Católico” nos EUA, um período em que as correntes comuns da tradição intelectual dos EUA (em geral pós-protestante) reconheceram sua afinidade com o fascismo, e quando a fonte primária da resistência veio da tradição intelectual católica.

Ainda assim, os cientistas sociais revidaram o contra-ataque aristotélico-tomista e retomaram a ascendência que fez deles uma fonte dominante das alegações autoritárias que nos governam.

Antevisão do Terceiro Ato:

Como veremos, a acusação de Dewey foi tomada pelos cientistas sociais dos anos do pós II Guerra contra todos os supostos “autoritários” – que não incluíam só fascistas, como também tomistas de vários tipos, e sobretudo católicos. Seu contra-ataque – denunciar a verdade objetiva metafísica como autoritária – agora foi usada contra aqueles que já haviam denunciado as tendências fascistoides do “naturalismo científico”. O revisionismo malandro de Dewey se provou uma arma poderosa ao se atrelar a uma defesa da democracia. Só aqueles que negavam a “verdade objetiva” poderiam ser considerados bons democratas. Quem quer que insistisse numa verdade objetiva era equivalente a, ou indiscernível de, um fascista.

A história não acaba aqui. De maneira bem impressionante, a acusação de Dewey (“quem decide”?) é exatamente o mesmo desafio feito hoje por liberais de direita, inclusive liberais católicos de direita, contra os pós-liberais e defensores do bem comum. Assim, a principal parte desta história, que continua depois do período coberto por Purcell, é como os “conservadores” (i. e., liberais de direita) e até os católicos (liberais de direita) terminaram internalizando a crítica de Dewey como um princípio central do “conservadorismo”. O que aconteceu depois, e sua influência sobre nossa situação, será o assunto da segunda parte deste ensaio.

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Patrick Deneen é professor de Ciência Política da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, e autor de "Por que o liberalismo fracassou?" (Âyiné, 2020). Este texto foi traduzido do Post Liberal Order com autorização.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]