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Uma lei para somar, não para dividir

O Projeto de Lei 180, de 2008, pode ser compreendido como mais uma importante contribuição do Legislativo brasileiro no sentido de democratizar o acesso e ampliar as oportunidades de distribuição das vantagens no ensino superior público. As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão 50% de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas e para autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual na população da unidade da federação onde está instalada a instituição.

O projeto original foi proposto em 1999, praticamente dez anos depois da promulgação da Constituição que definia a educação como direito social inalienável, ao mesmo tempo em que todos os indicadores sociais e a Conferência Mundial da ONU sobre Racismo e Discriminação Racial – realizada em 2003, em Durban, na África do Sul – escancaravam a exclusão das classes socialmente minoritárias no ensino superior público, entre eles os alunos do ensino médio publico, os negros e indígenas.

Em 2001, quando a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) pioneiramente instituiu a política afirmativa de cotas para negros, os universitários brasileiros eram formados por 97% de brancos e 2% de negros; os professores, pesquisadores e cientistas negros respondiam por 1% do total, em um país no qual os negros, à época, representavam 45% da população. Quando a lei foi proposta, era limitado o acesso dos jovens oriundos do ensino público nas universidades públicas, sendo essas vagas majoritariamente preenchidas pelos jovens das escolas privadas – que, além de ensino de qualidade superior em relação à escola pública, tinham uma atenção voltada para os processos seletivos das universidades públicas.

O governo já havia tentado superar essa situação enviando para o Congresso uma nova Lei de Reforma Universitária (7.200/2006), que recepcionava e definia medidas similares de ação afirmativa e inclusão social de negros e oriundos da escola pública no ensino superior. Incapacitado de superar as forças contrárias à aprovação da reforma universitária, mas insistindo na busca de um caminho alternativo que minimamente permitisse a democratização do acesso ao ensino superior, o governo criou, pela Medida Provisória 214/2004, o Programa Universidade para Todos (ProUni), destinando vagas com recortes sociais e raciais nas universidades privadas; e o Programa de Reforma Universitária (Reuni) reforçou os programas de cotas para negros nas universidades federais.

Nesse mesmo período, universidades federais e estaduais instituíram os mais diferentes mecanismos de ingresso de minorias sociais e raciais no ensino superior, fosse através de recorte social, racial, pontuação acrescida, consideração econômica e promoção de talentos. A Lei de Cotas, assim, não inventa nem cria nada de extraordinário, seja na substância, seja no formato. Pelo contrário: ela poderá se constituir em um vigoroso instrumento para devolver o ensino superior ao seu curso normal, o de privilegiar e valorizar o ensino público fundamental e médio, assim como promover uma melhor equalização das oportunidades e enriquecimento social e interação entre esses jovens e essas classes econômicas distintas. Enfim, uma lei para somar, não para dividir.

José Vicente é reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares.

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