É pouco provável que o eleitor fique in­­diferente caso um dos postulantes o fa­­ça perceber que a população não pre­­cisa de um "pai" ou de uma "mãe", mas sim de indivíduos capazes de gerenciar os recursos públicos

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Para aqueles que têm paciência, assistir ao horário eleitoral gratuito é, certamente, um interessante exercício para conhecer o nível das discussões políticas no Brasil. Ao mesmo tempo em que evoluiu muito em termos de qualidade técnica – excluindo-se, claro, as inserções tragicômicas dos candidatos à Câmara – é notória a profunda ausência de discurso, a incapacidade de levar o eleitor à reflexão. E esse vazio discursivo nos leva a um fenômeno realmente interessante: por mais paradoxal que seja, quase não há política no "horário político".

Ora, se admitimos que a política – em uma de suas acepções – se caracteriza pelo debate em torno da melhor forma de gerir o Estado, podemos dizer que a propaganda eleitoral é, acima de tudo, um espetáculo de despolitização. Presenciamos no Brasil uma espécie de "marketização" geral do discurso político, na qual os candidatos se limitam a propagandear as mais singelas platitudes, sempre se preservando do perigo de serem "mal interpretados".

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E, justamente por isso, os programas televisivos dos dois principais candidatos à sucessão presidencial têm dedicado boa parte do seu tempo à construção da persona, em detrimento da apresentação de propostas, do debate de ideias. Aliás, é possível constatar que, historicamente, as campanhas no país sempre se dividiram em dois eixos: ou descambaram para a baixaria generalizada ou optaram por um simplismo entediante. Neste ano, até o momento, o segundo modelo parece predominar.

A dimensão mais problemática dessa recusa à política é a emergência de um discurso essencialmente paternalista (e maternalista, claro). Os candidatos em disputa se apresentam como pais e mães prontos a adotar a nação – como se esta carecesse de al­­guém que lhe pegasse no colo e, finalmente, a fizesse ninar o sono dos justos. O Brasil seria, portanto, um país de órfãos carentes à espera da alma mais capacitada a nos dispensar carinho. Esse discurso, de inegável hálito populista, subestima e, o que é pior, infantiliza o eleitor. Alguns podem afirmar que se­­ria suicídio político renunciar ao tom paternalista, uma vez que confere inteligibilidade a um tema "árido" e de pouco apelo popular, como a política. Penso que o resultado pode ser exatamente o contrário: insurgir-se contra isso pode, sim, ser um importante ativo político, uma vez que demarcaria uma significativa diferença entre os aspirantes aos cargos em disputa.

É pouco provável que o eleitor fique indiferente caso um dos postulantes o faça perceber que a população não precisa de um "pai" ou de uma "mãe", mas sim de indivíduos capazes de gerenciar os recursos públicos para que sejam aplicados de forma eficiente. E mais: é possível demonstrar, claramente, que o discurso de cunho pater ou maternalista é desrespeitoso tanto para o eleitor (por tratá-lo como criança) quanto aos verdadeiros genitores, uma vez que vulgariza uma sacrossanta instituição: a família. Mas quem teria coragem de abdicar das facilidades da emoção barata, em nome de uma maior, digamos, racionalidade? Numa eleição polarizada – se é que ainda podemos falar em polarização, a se considerar como corretas as últimas pesquisas de opinião – entre dois candidatos com características bastante parecidas, a possibilidade de qualquer avanço nesse sentido é mínima: estamos condenados à banalidade retórica.

Com frequência dizem que, pelo fato de o Brasil ainda ser uma jovem democracia, o povo não estaria devidamente preparado para discussões políticas sofisticadas. Mais uma vez arrisco o oposto: talvez o grande problema não seja a incapacidade analítica de nossa população, mas a inépcia de nossa classe política, cada vez mais alheia às reais necessidades do eleitor que ela pretensamente representa.

Elton Frederick é especialista em Política e Relações Internacionais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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